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Nutrição de bovinos: principais desafios, otimização do uso da terra e o uso de coprodutos das usinas de etanol de milho

por Juliana Duarte Messana
Segunda-Feira, 26 de Outubro de 2020 - 10h00



A nossa convidada da semana é Juliana Duarte Messana, zootecnista e professora da área de nutrição e alimentação animal e de nutrição de ruminantes na Unesp/FCAV. Juliana conversou conosco e nos contou um pouco sobre os principais desafios na nutrição de bovinos, a importância da otimização do uso da terra, o uso de coprodutos e o que é necessário para um programa de nutrição de sucesso. Confira!



Juliana possui graduação, mestrado e doutorado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho campus Jaboticanal – SP. Foi colaboradora no Laboratório Análise de Alimentos do departamento de Zootecnia, desde 2017 atua como professora na disciplina nutrição e alimentação animal e nutrição de ruminantes na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - Unesp Jaboticabal. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em avaliação de alimentos para animais, atuando principalmente na área nutrição e metabolismo de ruminantes.



Scot Consultoria: Qual o principal desafio da nutrição de ruminantes nos dias de hoje? Quais os principais avanços tecnológicos existentes quanto ao assunto dietas confinadas?



Juliana Duarte: Os principais desafios na nutrição de ruminantes são: aumentar a produtividade por área, melhorar a eficiência de utilização de nutrientes, reduzir a idade de abate, bem como adotar o uso de tecnologias e manejos de forma sustentável economicamente e ambientalmente.



Hoje o boi tem aparecido como vilão das várias mudanças climáticas que temos enfrentado. Diversas pesquisas têm sido desenvolvidas, buscando reduzir o ciclo de produção do animal, abatendo animais mais jovens, basicamente até 30 meses de idade.  Essa estratégia reduz a emissão de gases potenciais causadores do efeito estufa e produz carne de melhor qualidade. 



Com base nos desafios da produção, o uso de confinamento aumentou nos últimos anos, sendo 14% dos animais abatidos no Brasil advindos desse sistema de terminação. Contudo, o confinamento tem como característica primordial o atendimento da exigência nutricional do animal, para que esse expresse seu máximo potencial de ganho de peso.



Atualmente têm sido empregadas dietas de alta densidade energética que apresentam altos teores de concentrado e baixos teores de volumoso (em torno de 20% ou menos); além do uso de dietas de alto grão. Na dieta total busca-se trabalhar com alimentos processados de forma a aumentar o aproveitamento dos nutrientes presentes na dieta, como o aumento da utilização do amido (grão úmido, grão fermentado - silagens).



Também há trabalhos com uso de aditivos (probióticos e prebióticos), com objetivo de otimizar o aproveitamento dos nutrientes da dieta através da modulação da microbiota ruminal. Entretanto, dietas de alto grão devem ser utilizadas no confinamento com cautela, lembrando-se da quantidade mínima necessária de fibra fisicamente efetiva para manter a saúde animal.



Outro fato que deve ser lembrado nas dietas adotadas no confinamento é a necessidade de um protocolo de adaptação do animal à dieta.



Scot Consultoria: O uso de pastagens é o sistema mais barato para produção de bovinos de corte. Na sua opinião, quais ferramentas nutricionais podem ser utilizadas para otimizar o sistema?



Juliana Duarte: O pasto, nas condições brasileiras, é sim o sistema mais competitivo de produção. No entanto, a estacionalidade de produção do pasto pode resultar em baixos índices produtivos nos períodos secos do ano, assim bovinos produzidos em pastagem ganham peso no período das águas e perdem no período de secas (o popular “boi sanfona”).



Há várias tecnologias que podem ser empregadas para evitar esse problema, como por exemplo estratégias de manejo de pastagem e suplementação (energética, proteica e mineral). O máximo desempenho é limitado pelo nutriente ofertado em menor quantidade que a exigida, assim a suplementação no período seco pode ser utilizada para suprir os nutrientes limitantes no pasto ou também quando se deseja otimizar a produção a pasto. Pode-se também adotar a suplementação com objetivo de adicionar nutrientes extras à dieta, para atingir máximo potencial de produção dos animais, nesse último caso, trabalhamos com uma suplementação em níveis mais altos.



Scot Consultoria: No período da seca, qual o nutriente é o primeiro limitante no ganho de peso dos animais? Quais estratégias e planejamentos que os pecuaristas deveriam seguir para evitar limitar o ganho de peso e de que forma o produtor consegue avaliar quais são os nutrientes que ele deve repor?



Juliana Duarte: A proteína é o principal nutriente limitante no período da seca, quando há massa de forragem disponível, além da reduzida digestibilidade da matéria seca que também limita desempenho.



Nesse caso, a suplementação pode ser uma estratégia a ser adotada para evitar a limitação do desempenho do animal. O tipo de suplementação a ser adotada dependerá da meta de desempenho desejada, bem como da análise econômica (quanto se deseja investir e do lucro que se deseja obter). Dentre as formas de suplementação que podem ser utilizadas há a suplementação mineral com ureia, a suplementação mineral com misturas múltiplas (ureia, proteína verdadeira e aditivos) e a suplementação proteico-energética.



A suplementação mineral com misturas múltiplas tem sido uma estratégia escolhida frequentemente pelo produtor devido à relação custo-benefício favorável para o produtor.  Normalmente a suplementação recomendada para mistura múltipla é de 1 a 2g/kg de PV/dia, e tem como objetivo completar macro e micronutrientes e suplementar proteína e energia do pasto.



Outra estratégia muito utilizada para esse período é a suplementação somente dos nutrientes limitantes (normalmente nitrogênio não proteico-ureia), onde o objetivo principal seria atender à exigência de manutenção com baixo custo e alto benefício, com respostas práticas em ganho de peso da ordem de 200 a 300g/dia. Já nas condições em que se deseja obter maior ganho de peso, pode se optar pela suplementação proteico-energética em quantidades mais elevadas, acima de 6 a 10g/kg de PV/dia.



Scot Consultoria: Qual sua visão sobre utilização de alimentos alternativos, ou coprodutos da indústria de etanol, principalmente de milho, que vêm ganhando destaque nos últimos anos, na nutrição de ruminantes?



Juliana Duarte: Os coprodutos geralmente entram na composição da dieta em substituição a um ingrediente tradicional (milho, soja) para reduzir o custo dessa dieta e melhorar o desempenho animal. Outro motivo do uso é aumentar a diversidade de alimentos disponíveis à formulação da dieta, além disso, alguns coprodutos podem apresentar nutrientes complementares aos já presentes na dieta, como fontes de proteína não degradada no rúmen (resíduo de cervejaria), ou de amido com maior digestibilidade, ou de pectina (polpa cítrica – alta digestibilidade ruminal com menor risco de acidose que o amido).



Adicionalmente, há a vantagem de que, normalmente, a maioria dos coprodutos requer menor processamento (moagem), visto que são comercializados farelados ou peletizados. Portanto, essa substituição pode ser vantajosa desde que se conheça a composição química do coproduto e o aproveitamento biológico pelo animal.



No caso dos coprodutos provenientes do milho após a produção do etanol, como o DDG (grão seco de destilaria), estes podem substituir em até 90% (na MS) da fonte proteica utilizada na dieta de ruminantes e promover o aumento do suprimento de aminoácidos essenciais para bovinos quando comparado ao farelo de soja. No entanto, esse coproduto também pode ser utilizado como fonte energética desde que seu preço não esteja superior ao preço do milho.



Há uma variação na composição desse coproduto, sendo que algumas empresas produzem o DDG com mais fibra e um pouco menos de proteína (20%) e de energia (85% de NDT), e outras, que produzem DDG com 30% de PB e 89-90% de NDT. Esse coproduto tem apresentado resultados promissores em desempenho de bovinos, em todas as fases de produção. No entanto, há necessidade de monitoramento do processo de produção para que esse produto não tenha seus nutrientes indisponibilizados pela elevada temperatura. Esse é um problema que pode ocorrer com qualquer coproduto.



Scot Consultoria: O milho é um importante insumo para as dietas de confinamento, pode representar mais de 60% da MS na dieta, e dessa forma tem grande impacto nos custos. Na sua opinião, qual a melhor alternativa para aumentar a eficiência no uso desse insumo?



Juliana Duarte: Há várias alternativas para aumentar o aproveitamento do milho pelo animal. Dentre elas, a ensilagem de grão úmido e o processamento do grão são as que têm apresentado melhores resultados para aumentar a digestibilidade do amido. 



Processamentos como laminação a vapor, extrusão e floculação que envolvem, além da alteração física (moagem), mudanças químicas da estrutura do grão, resultam em maior aproveitamento. A floculação pode aumentar a energia líquida do milho de 15 a 18% e aumenta a extensão de digestão do amido, tanto no rúmen como no intestino.



A ensilagem de grão úmido resulta em maior solubilização e digestibilidade de outros nutrientes, além do amido, promovendo melhor desempenho e eficiência alimentar.



Scot Consultoria: Quais pontos são primordiais para que se entenda a importância da otimização do uso da terra, num sistema de produção pecuário?



Juliana Duarte: De modo geral para tornar uma cadeia de produção mais eficiente deve-se se otimizar o uso de recursos nela empregados, no caso do sistema de produção pecuário, o uso da terra. Nessa otimização o ponto primordial é aumentar a eficiência de produção por área, o que pode ser feito por meio de manejo de pastagens adequado, com adubação e máximo aproveitamento da massa disponível, trabalhando-se com taxa de lotação adequada e fazendo uso de tecnologias como a suplementação, que permitirá aumentar a taxa de lotação por área. Além disso, o uso desse manejo adequado permitirá reduzir o tempo gasto no ciclo de produção.



Scot Consultoria: O que é fundamental em um bem sucedido programa de nutrição?



Juliana Duarte:  É fundamental que a dieta atenda a exigência do animal para que esse possa expressar seu máximo potencial de crescimento em cada propriedade. Em um sistema de alimentação bem sucedido, deve-se conhecer, além da exigência do animal, a composição dos ingredientes das dietas (proteína, energia, macro e microminerais).



No caso de animais a pasto, deve-se saber qual o tipo de pasto, qual nutriente falta nele e em que momento deve ser realizada a suplementação estratégica. Adicionalmente, é indispensável o uso de mão de obra treinada ao emprego do programa nutricional, e apta para aplicação do manejo adequado, pois o programa de nutrição pode ser afetado por vários pontos envolvidos no manejo.