Scot Consultoria
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Gestão de processos complexos

por Luiz Roberto Maldonado Barcelos
Sexta-Feira, 25 de Setembro de 2020 - 11h30


Nosso convidado dessa semana é Luiz Roberto Barcelos, advogado, empresário e palestrante do Encontro de Confinamento e Recriadores da Scot Consultoria. Luiz Roberto nos contou sobre a história da Agrícola Famosa, tendências do mercado chinês e os principais desafios na gestão de operações. Acompanhe!



Luiz Roberto é formado em direito pela Universidade de São Paulo, sócio fundador e diretor da Agrícola Famosa, presidente do COEX – Comitê Executivo de Monitoramento da Mosca das Frutas, diretor institucional da ABRAFRUTAS – Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados e presidente da câmara setorial da cadeia produtiva de fruticultura do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.



Scot Consultoria: Luiz Roberto, conte-nos brevemente sobre a história da Agrícola Famosa.



Luiz Roberto: A Famosa foi fundada em 1995 por mim, Luiz Roberto Barcelos, e Carlo Porro. Eu advogava na época e o Carlo era um trader de frutas, ou seja, comprava frutas aqui no Brasil e exportava. Naquele momento, Carlo me contratou para montar uma empresa para um cliente dele na Inglaterra, no começo da década de 90 e posteriormente, com a minha ligação com o interior, com o campo, do interior de São Paulo, e por gostar de atividade da fruticultura, fui convidado para trabalhar como diretor dessa empresa.



Nós trabalhamos juntos até 1994, e nesse ano veio o Plano Real, acarretando na queda do dólar, chegando a 85 centavos de real, e então essa empresa encerrou as atividades. Em 1995, nós abrimos a Agrícola Famosa. Assumimos uma empresa em Mossoró, com uma pequena produção de melão, e que estava em dificuldades financeiras.



Na época me mudei para Mossoró e começamos a plantar melão, 3 hectares cada 10 dias, mandávamos essas frutas para São Paulo e meu sócio, o Carlo, fazia as vendas. Hoje nós plantamos 300 hectares por semana, e a partir dos anos 2000, o dólar aumentou novamente e retomamos as exportações. De lá para cá, a empresa vem crescendo, muito focada no mercado europeu, principalmente o inglês, o holandês e o espanhol.



Atualmente estamos situados na Chapada do Apodi, entre os estados do Rio Grande do Norte e Ceará, e hoje produzimos cerca de 8 mil hectares por ano, o que fez a Famosa umas das maiores produtoras e exportadoras do mundo.



Scot Consultoria: Quais os principais desafios na gestão das operações, quando se há diferentes mercados consumidores e diferentes requisitos para atendê-los?



Luiz Roberto: Em relação aos grandes desafios, atender dois mercados diferentes, primeiro obviamente, é entender quais são os requisitos desses dois mercados, tanto o mercado de exportação como o mercado brasileiro, e entender as peculiaridades de cada um.



Obviamente que hoje temos um mercado mais exigente, não só em relação à qualidade da fruta, mas também em relação à sustentabilidade da empresa e da operação principalmente.



As empresas estão atentas aos cuidados com o meio ambiente, à responsabilidade social e à segurança alimentar. Por isso, nós temos certificações internacionais que atestam que a nossa empresa possui esses cuidados, e está preocupada com a sustentabilidade. Obviamente que em cada um desses itens, são exigidos uma série de coisas. Em relação à responsabilidade social, por exemplo, é importante informarmos o alojamento dos funcionários, como é realizado o transporte, a qualidade da alimentação fornecida, todos têm que ser registrados, não pode haver menores de idade trabalhando, ou seja, prover condição digna de vidas para eles.



Com relação ao meio ambiente, a exigência é que tenhamos todas as licenças ambientais, as outorgas para uso de água, destinação dos lixos, das matérias sólidas que sobram da produção etc. Quanto à segurança alimentar, não podemos usar defensivos que não estejam registrados para aquela cultura, permitidos na Europa, e necessário respeitar o prazo de carência e o LMR. O local onde é realizado a embalagem das frutas deve ser fechado, por questão de higiene. Todos esses fatores citados precisam ser cumpridos para que possamos exportar.



Embora o mercado brasileiro seja menos exigente, não há como fazer uma divisão de tratamento e de diferenciar a operação, então nós optamos por nivelar a operação para atender tanto o mercado brasileiro, quanto para exportar.



Nós usamos todos esses parâmetros, porque para criar a cultura de sustentabilidade da empresa não se pode ter uma parte dela fazendo de um jeito e outra parte fazendo de outro, então nós praticamente adotamos a mesma metodologia exigida. Portanto esse é o grande desafio, atender cada uma peculiaridades, implantando a cultura que preenche os requisitos mais exigentes, porque com o mais exigente você vai estar cumprindo aquele que exige menos, ao passo que se você fizer uma divisão entre os dois, você corre o risco de não conseguir implantar a cultura na sua equipe de trabalho e colaboradores.



Scot Consultoria: Como realizar uma boa gestão de pessoas, quando ao longo do processo envolvem-se muitos colaboradores? Qual o principal desafio?



Luiz Roberto: A principal ferramenta que nós usamos para o controle da gestão é uma TI que desenvolvemos, em que usamos a Totvs (empresa de tecnologia) para integrar todos os setores da empresa, mas nós temos também uma plataforma que foi customizada e desenvolvida por nós mesmos, onde temos diariamente todo o controle do fluxo de produção, financeiro e estoque que a empresa necessita, então, a cada compra, já são geradas informações dentro dessa plataforma, que vão para outros setores da empresa.



Quando precisamos requisitar um produto, temos que explicar para onde ele está indo, seja defensivo, semente ou fertilizante, e isso também já vai para o centro de custo daquela área que tem o acompanhamento para saber quanto está sendo gasto diariamente com ela, a mão de obra, preparo de solo etc., tudo isso apropriado para aquela área, aquela gleba.



Na colheita também temos a individualização e um controle de cada uma das áreas do que está sendo produzido e portanto, no final, temos o fechamento de gleba por gleba e qual foi o resultado que cada uma gerou, como financeiro, de produção, com gastos etc., depois tudo será compilado. Ao final, temos o produto pronto, que vem para o estoque, e direcionado para cada cliente de acordo com a especificação de variedade, de tamanho, de Brix, de teor de açúcar, e que se direciona para o mercado que tem aquelas exigências.



Temos tudo isso amarrado dentro de uma ferramenta da Microsiga, que foi desenvolvida, customizada e adaptada para a Famosa.



Scot Consultoria: Que tipo de ferramentas você usa para otimizar os processos de gestão em sua operação?



Luiz Roberto: Nossa operação é altamente utilizadora de mão de obra, porque as operações são manuais, não são mecanizadas, e por isso chegamos a ter cerca de 8 mil colaboradores diretos na época da safra. O primeiro ponto é saber que quando falamos em 8 mil pessoas, não é o número 8 seguido por 3 zeros, são pessoas, são seres humanos, que têm os mesmos sentimentos que nós, as ansiedades, ambições, alegrias e tristezas.



Damos todo o suporte necessário para nossos colaboradores, digno de sua importância no processo produtivo.



Nós não vamos conseguir um melão de qualidade se não for realizado um trabalho de qualidade por cada uma dessas pessoas que estão ali, fazendo um pequeno processo dessa operação enorme. Acho que esse é o nosso grande diferencial: tratá-los como humanos e não como números.



Scot Consultoria: Quais tendências o senhor observa para o mercado chinês nos próximos anos em relação à demanda por produtos agropecuários do Brasil?



Luiz Roberto: A China hoje tem uma tendência enorme de consumo, pois é um país que tem 1,4 bilhão de pessoas, saindo cada vez mais de uma situação de extrema pobreza nas últimas décadas, tendo maior mobilidade social, saindo do campo e indo para a cidade, ganhando seu salário e deixando de produzir seu próprio alimento, e consequentemente, comprando comida já pronta.



Já o Brasil, apesar de estar longe, tem condição de abastecer o país, o que tem acontecido com as proteínas, grãos e agora na fruticultura. O melão foi a primeira fruta que abrimos ao mercado, e é um produto perecível, diferente dos outros, e tem a questão da logística para ajustar, mas é uma expectativa muito grande, o potencial é enorme.



Só para se ter uma ideia, o Brasil todo produz em torno de 20 mil hectares de melão, os quais 10 mil vão para exportação e o restante para consumo interno. A China produz no período de verão, cerca de 7 meses, 400 mil hectares de melão para consumo próprio, eles consomem 40 vezes mais que o Brasil, então se nós conseguirmos pegar 10% desse mercado, triplicaríamos a nossa área.



A China é um potencial enorme. As tentativas de abertura foram terminadas recentemente, depois veio a covid-19 que atrapalhou um pouco, mas estamos começando a enviar as primeiras amostras e esperamos que, assim como outros itens do agronegócio, a fruticultura também possa surfar nessa onda de grande consumo na China.



Scot Consultoria: Quais os principais gargalos de desenvolvimento do setor, tanto para aumentar o consumo doméstico de frutas quanto para abrir novos caminhos para a exportação? Quais as expectativas no curto e longo prazo?



Luiz Roberto: O principal gargalo do consumo do mercado interno é que não há uma cultura muito grande na sociedade brasileira no consumo de frutas e o consumo per capita ainda é muito baixo. O IBGE aponta em torno de 56kg per capita/ano, enquanto a Organização Mundial da Saúde preconiza que seja consumido pelo menos 120kg.



Países mais ricos, como os da Europa e os Estados Unidos consomem quase 150kg/ano. É necessário criar hábito e mostrar que a fruta é um alimento saudável, rico em vitaminas, sais minerais, fibras e ajuda a prevenir uma série de enfermidades comuns na população brasileira, como doenças coronárias, pressão alta, diabetes etc.



Outro ponto importante é o preço da fruta, pois existe uma margem muito grande na venda nos supermercados, até por conta do desperdício. O desperdício encarece a produção. Se pudéssemos aproveitar melhor toda a fruta produzida e que chega no supermercado, com muito menos perda, isso seria muito mais barato, porque teríamos como vender mais barato aproveitando uma produtividade maior por hectare.



Esses são os pontos que inibem o consumo no Brasil. Lá fora, temos que abrir mercado, estabelecer relação com os países que não recebem nossas frutas, assim como realizar um plano de trabalho ou um protocolo para mitigar o risco de transportar, eventualmente, pragas daqui do Brasil para esses países. O governo precisa estar consciente e estabelecer um plano para mitigar esse risco para poder trabalhar essas aberturas de mercado.



Temos solicitado esses planos junto ao Ministério da Agricultura, e isso tem melhorado ao longo dos anos, porém temos muito trabalho ainda a fazer. Nós exportamos menos que 3% do que produzimos, e temos uma enorme condição de exportar muito mais, já que somos o terceiro maior produtor de frutas do mundo e apenas o vigésimo terceiro exportador. No mercado interno, como o consumo per capita é muito baixo, temos como aumentá-lo. Exportando mais e vendendo mais no mercado interno, o setor da fruticultura tem muito a crescer aqui no Brasil e devemos lembrar que é um setor que gera muitos empregos, portanto, distribui muita renda, importantíssimo para diminuir as diferenças sociais que o Brasil apresenta.