Scot Consultoria
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Desafios da cadeira produtiva de carne bovina no Brasil

por Andréa Veríssimo
Segunda-Feira, 16 de Março de 2020 - 11h00


Na rodada de entrevista desta semana, nossa convidada é Andréa Veríssimo, palestrante do Encontro de Confinamento e Recriadores da Scot Consultoria.



Andréa é médica veterinária formada pela UFRGS, mestre em Administração Rural pela Lincoln University da Nova Zelândia e tem pós-MBA em Liderança pela Unisinos, além de curso de agronegócio na Harvard University.



Teve a oportunidade de trabalhar em diversos elos da cadeia produtiva pecuária e agrícola, tanto no Brasil quanto no exterior. Iniciou sua carreira na fundação do SIC – Serviço de Informação da Carne, entidade que reuniu os pecuaristas brasileiros no combate aos mitos sobre a carne bovina, posteriormente migrando para a promoção internacional da carne brasileira, quando gerenciou o Programa Brazilian Beef da ABIEC, na época em que o Brasil conquistou a liderança mundial nas exportações.



Depois de organizar muitas feiras, projetos com a imprensa internacional e churrascos para europeus, asiáticos e árabes, especializou-se em public affairs e relações governamentais ao atuar na Elanco Saúde Animal, BASF Agro e FIERGS.



Atualmente atua na produção de gado de corte e é proprietária da Avelã Public Affairs, consultoria de relações institucionais especializada em agronegócio.



Na conversa com Andréa, abordamos sobre os desafios da cadeia produtiva da carne bovina, tendências de consumo e o futuro da carne no Brasil. Confira!



Essa conversa é uma introdução para a palestra no ERC20 - Encontro de Confinamento e Recriadores da Scot Consultoria, que acontecerá de 14 a 17 de abril de 2020, em Ribeirão Preto-SP. Para se inscrever, acesse: https://www.confinamentoerecria.com.br/.



Scot Consultoria: Primeiramente Andréa, a senhora pode dar uma "palhinha" do que os participantes podem esperar de sua palestra durante o Encontro de Confinamento e Recriadores da Scot Consultoria?



Andréa Veríssimo: Primeiramente, quero ressaltar que estou muito honrada com o convite para participar de um evento tão importante quanto o Encontro de Confinamento e Recriadores da Scot Consultoria. Acompanho o trabalho do Scot há muito tempo e tenho muito orgulho de tudo que foi construído por esta equipe tão bacana desde então. Vocês estão de parabéns!



Bem, no evento falarei do “Futuro da carne e tendências de consumo”. Este é um assunto que me apaixona, pois sob vários aspectos minha vida e carreira sempre giraram em torno da carne bovina. Sou médica veterinária, a quarta geração de uma família de pecuaristas gaúchos e profissionalmente tive várias oportunidades de trabalhar a imagem da carne bovina, tanto na informação aos consumidores brasileiros quanto na promoção internacional do Brazilian Beef, programa da ABIEC em parceria com a Apex Brasil que tive a oportunidade de gerenciar por quase cinco anos. Depois trabalhei na promoção de insumos tecnológicos para a pecuária e agricultura e agora estou dedicada ao big data do agronegócio, tendo desenvolvido plataformas como o Observatório Gaúcho da Carne e o Observatório do Leite. Em suma, tenho perseguido meu propósito profissional definido lá no início da minha carreira, que era participar da promoção do agronegócio brasileiro sob vários aspectos e atuando em muitos elos da cadeia de produção, para poder efetivamente compreendê-los e ter uma visão mais holística e abrangente dos desafios e dos mecanismos de apoio ao nosso agro.



Os desafios para a cadeia produtiva da carne bovina seguem sendo inúmeros e muito complexos, e no momento o setor precisa se preparar para uma grande transformação. Se há 20 anos o problema era a queda do consumo pelo medo da vaca louca, hoje temos uma grande promoção das proteínas “plant based” (a partir de plantas) que têm se posicionado como uma solução mais ética e sustentável da quase eterna luta (de alguns ativistas) contra o consumo de proteínas de origem animal. E novidades como esta podem “disruptar” profundamente o mercado, pois não podemos nos esquecer de que parte do capital que incentiva estas narrativas vem do Vale do Silício, e se posiciona como algo mais moderno e correto. Assim como vários outros setores que foram transformados nos últimos cinco anos, como o de transportes, hospedagem, cinema, música e imprensa, o da produção de alimentos de origem animal precisa estar atento para “surfar” na onda da inovação, para não ser afogado por ela. Como identificar e lidar com este e outros desafios e tendências será a tônica da minha palestra.



Scot Consultoria: A pecuária brasileira recorrentemente é alvo de críticas, muitas vezes sem fundamentos. A senhora acredita que isso pode prejudicar as relações comerciais com nossos parceiros internacionais?



Andréa Veríssimo: Não há nenhuma novidade no ativismo organizado contra a pecuária brasileira. O que muda, ao longo do tempo, são os agentes deste ativismo, os porta vozes, e as narrativas. Podemos pensar em inúmeros ataques que já sofremos e seguiremos sofrendo, pois a causa raiz disto tudo é a nossa enorme capacidade, enquanto nação quase continental, de produzir alimentos para o mundo em grandes volumes e a preços competitivos. Por isto, já tiramos (e seguiremos tirando) muitos competidores do mercado. Mudam as acusações à pecuária (que podem ser de degradação ambiental, desrespeito aos “sem-terra”, falta de cuidado com o bem-estar animal, falta de ética na produção, uso de trabalho escravo, etc.) mas são sempre alegações que buscam nos tirar do jogo internacional. Para comprovar esta tese, pergunto: alguém aí já viu alguma acusação à produção pecuária de Cingapura ou Coréia do Norte? Claro que não, porque eles são irrelevantes no mercado internacional.



E sim, os ataques prejudicam nossa relação com o mercado internacional, e por várias vezes já sofremos embargos ou fechamento de mercados por questões de imagem. Não podemos também pensar que somos apenas vítimas e estamos com tudo certo, tudo em ordem. Cabe a todos, cada um dentro de seu setor, buscar as melhores práticas, a melhoria contínua. Porque hoje o consumidor tem cada vez mais opções e discernimento, não só nos países desenvolvidos, como nos em desenvolvimento, e ele vai migrar para outras opções se tiver interesse e recursos para tanto. O pecuarista não pode pensar que seu cliente é o frigorífico, apesar de isto parecer verdade para muitos. O frigorífico e os demais elos são o caminho que o produto percorre até chegar ao consumidor. Se ele, lá na ponta, não estiver mais interessado na carne bovina, os impactos virão em todos os elos.



Scot Consultoria: Saberia nos dizer quais estratégias têm sido tomadas para solucionar estas "fake news" que normalmente são divulgadas contra a pecuária e o que ainda precisa ser trabalhado para potencializar positivamente a imagem da pecuária brasileira?



Andréa Veríssimo: O desafio de combate às fake news é cada vez maior. Em 2001, quando criamos e tive a oportunidade de liderar o SIC – Serviço de Informação da Carne, uma associação sem fins lucrativos criada pela cadeia produtiva da carne para informar ao consumidor as características, qualidades e benefícios da carne bovina, tínhamos um cenário de falta de informação. Construir aquele portal de informações teve um impacto enorme. Um dos grandes mitos era “Onde fica a picanha?”. Parece até bobagem pensar nisto hoje.



Com a expansão da internet e o advento das redes sociais, houve uma profunda transformação, onde cada indivíduo tem o potencial de virar um comunicador e um influenciador de suas ideias, arregimentando seguidores e criando grupos onde estas narrativas podem ser validadas e expandidas. A verdade é que hoje qualquer pessoa pode expor suas ideias, ou até mesmo fabricar ideias (as fake news) e encontrará formas de divulgá-la. Se antes apenas a grande imprensa tinha este papel, hoje qualquer um de nós pode fazê-lo.



Já houve diversas iniciativas, conduzidas pelo governo, por entidades, por grupos de pessoas, com poucos recursos, com muitos recursos... Muito foi investido em campanhas publicitárias, o problema é que o recurso um dia acaba e a defesa da carne bovina é algo que nunca pode acabar, já que os ataques são rotineiros. Depois de muitos anos observando e estudando atentamente os ativistas e suas técnicas, sempre que eu falo com pecuaristas procuro dizer que cada um de nós deve tornar-se um emissor de boas informações, mostrando as suas boas práticas, tendo orgulho do que faz, apresentando tudo que faz para produzir alimentos com o amor e dedicação que tem em sua produção. Pois a grande diferença é que nós sempre defendemos os ataques com informações técnicas, e os ativistas falam em valores e crenças.



É esta a narrativa que precisamos incorporar, dizer que nós, sim, produzimos alimentos com muita dedicação, amor, orgulho, que é um negócio de família, uma paixão e que está comprometido com o que deseja o consumidor.



Scot Consultoria: Pensando em longo prazo, qual tendência de consumo de carne vermelha a senhora observa para o mercado de carne bovina e como estamos preparados para atender este perfil consumidor?



Andréa Veríssimo: O consumidor global é muito complexo, tem religiões diferentes, visões de mundo diferentes, rendas disponíveis distintas e demandas diversas. Tendo viajado tanto pelo mundo e observado as tendências mais diversas, acho bem difícil definir apontar um tipo único de consumidor e algumas poucas tendências de consumo. Mas o fato é que algumas grandes tendências, como o aumento da massa de pessoas que têm renda disponível para consumir proteína animal vai determinar um aumento global de demanda.



A gourmetização, a demanda por produtos de maior qualidade, diferentes teores de gordura, padronizações de produto, conveniência para o consumidor, isto tudo seguirá sendo demandado de nós. Acho que estamos nos preparando, e estamos cada vez melhores, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Já somos os líderes no comércio internacional em volume, mas ainda precisamos agregar muito mais valor e reputação ao nosso produto.



Penso que elementos básicos ainda nos faltam, como um sistema uniforme nacional de padronização de carcaças e de cortes, que é algo que precisamos aprimorar.



Scot Consultoria: Pensando no aumento da renda e seu efeito na demanda por carnes especiais, como a senhora enxerga esse movimento no Brasil? A produção nacional tem capacidade para atender esse novo hábito de consumo? Se não, o que deve ser melhorado na cadeia?



Andréa Veríssimo: Vejo com muita alegria esta transformação e gourmetização que estamos vendo no mundo da carne bovina. Muitos novos agentes entraram no mercado, trouxeram uma nova “pegada”, uma nova abordagem, muito nova e refrescante, que mostra que devemos priorizar a qualidade do consumo, e que não é pela quantidade de carne que consumirmos que ficaremos mais satisfeitos, e sim por meio da busca de um consumo qualificado, de produtos de boa procedência, bem elaborados.



Vejo diversos grupos de churrasqueiros se formando, homens, mulheres, festivais de churrasco incríveis, que valorizam a convivialidade, a amizade, a parceria... Acho incrível tudo isto que tem acontecido, trouxe um olhar mais jovem e conectado com o consumidor atual. E ao tratar da ética no consumo, no cuidado com os animais que estão nos alimentando neste momento, endereça questões e valores que os ativistas traziam e que ignorávamos. Penso que é uma importante melhoria e evolução.



Sobre a qualidade do produto, penso que percorremos um longo caminho, e hoje temos uma grande evolução de qualidade e padronização na carne do Centro-Oeste. Visitei frigoríficos e fazendas em Mato Grosso no ano passado e fiquei impressionadíssima com a qualidade e precocidade dos animais, que fornecem cortes mais padronizados, com melhor marmoreio e em grande quantidade. Estamos na direção certa, mas os esforços de todos deve ser na busca da melhoria da qualidade, eficiência e, naturalmente, na renda, pois sem lucratividade ninguém ficará na atividade.



Scot Consultoria: Muitas empresas hoje lutam para desenvolver alimentos que não possuam origem animal. Qual sua opinião sobre esse nicho de mercado? A senhora acredita que esse tipo de negócio possa afetar o mercado da carne bovina?



Andréa Veríssimo: Esta é uma tendência que veio para ficar, quer o pecuarista queira enxergar ou ignorar. No ano passado falei deste assunto, junto com a Dra. Márcia Barcellos, na Acricorte em Cuiabá, e nossa palestra foi muito impactante, tanto para quem já sabia destas tendências, quanto para quem ficou com raiva de ter este assunto sendo tratado num evento de pecuaristas, pois não queria ver esta nova realidade. Menos de um ano depois, vários gigantes da carne bovina já incorporaram produtos baseados em plantas em seu portfólio.



Penso que cada vez mais as empresas buscarão desenvolver produtos assim, e que é natural que as empresas busquem expandir o portfólio de produtos para atender a todos os tipos de consumidores.



Assim como os restaurantes de carne hoje têm pratos vegetarianos em seu cardápio, o mais importante é respeitar o que consumidores diferentes de nós desejam. Proibir outras alternativas, com as quais eu não concorde, não vai dar certo, pois, assim, nós mesmos viraremos ativistas – do lado que consideramos ser o que “tem a razão”. Reflita sobre isto, precisamos nos policiar. Lutar para que siga existindo a possibilidade de todos os tipos de produtos, pela possibilidade de escolha. Penso que o mercado da carne bovina não vai acabar, mas certamente sofrerá uma grande transformação. E precisamos continuar antenados e surfar nesta onda de mudanças, para que ela não nos afogue.