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Proteção contra descargas elétricas

por José Osvaldo Saldanha
Terça-Feira, 11 de Junho de 2019 - 05h55


Para tirar as dúvidas de alguns produtores sobre como proteger o rebanho contra descargas elétricas, convidamos o professor José Osvaldo Saldanha.

José Osvaldo possui graduação e mestrado em Engenharia Elétrica, ambos pela UFMG e doutorado em Engenharia Elétrica pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da UNICAMP. Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais. Atua na área de Engenharia Elétrica, com ênfase em alta tensão, compatibilidade eletromagnética, descargas atmosféricas e proteção.

Scot Consultoria: Sendo o Brasil um dos países com maior incidência de raios, é comum o senhor ver rebanhos atingidos por esse fenômeno? É possível quantificar as mortes por ano devido a raios?

José Osvaldo: Eu recebo, principalmente em época de chuva, fotos e relatos de um número grande de animais. Faz quarenta anos que eu trabalho com sistemas de proteção contra raio e todo ano são muitos animais atingidos, porém, não temos uma estatística nacional.

O maior acidente que eu tenho relato é um que aconteceu em um país que tem pouca incidência de raios, na verdade, a Islândia, na região polar, e parece que matou 300 renas, uma única descarga. De número, esse é o maior relato que eu já vi.

No Brasil eu tenho relatos de 50, 60 ou 80 cabeças de gado. O cenário mais comum que chegou até mim ao longo dos anos é coisa de 15 a 20 cabeças, normalmente que estão próximas de uma árvore alta isolada ou, mais comum ainda, próximos das cercas.

Scot Consultoria: Professor, como é feito o dimensionamento para a instalação de para-raios em um confinamento do gado? O custo é alto?

José Osvaldo: Nós temos basicamente duas técnicas que são recomendadas. Uma é proteger as cercas que cercam a propriedade, as cercas de madeira que ficam no pasto. Essas cercas são de arames, normalmente isoladas com mourões de madeira, e como geralmente possuem uma longa extensão, elas precisam de proteção, que é o aterramento e seccionamento.

A área mais complicada é a área de curral, ou seja, de confinamento, pois ali você vai ter uma grande densidade de animais. Então a área confinada eu preciso proteger como se fosse uma edificação, como se fosse um prédio ou uma casa, eu vou ter que não só aterrar e seccionar as cercas como também instalar para-raios.

É aqui que entra o que chamamos de SPDA (Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas), popularmente conhecido como para-raios.

Os para-raios são, na verdade, um conjunto de ações, por isso chamamos de SPDA. É preciso colocar o equipamento em um ponto mais alto para que a descarga elétrica caia nesse ponto, então eu vou colocar um captor que é um elemento que vai ficar acima da edificação para que ela não seja atingida. Esse captor pode ser uma ponta, um cabo condutor que envolve a edificação lá no alto. Nós temos várias técnicas dependendo do tamanho da edificação.

Em segundo lugar é preciso levar esse raio para o chão, então nós temos os cabos de descidas, que são o sistema que vai interligar os captores com a malha de aterramento que vai dispersar a corrente no solo.

A malha de aterramento tem que ser feita porque os animais têm uma distância grande entre as patas dianteiras e traseiras, então se o para-raios joga a corrente elétrica no solo, essa corrente cria uma diferença de potencial ou voltagem grande no solo e o animal estando ali pode tomar um choque. A maioria dos casos de morte de animais que nós temos é devido a essa tensão de passo, que é essa voltagem que vai aparecer no solo e vai atingir o animal.

Não adianta eu só fazer o aterramento, eu preciso fazer o aterramento bem feito para que eu controle essas voltagens, principalmente em áreas de confinamento, onde eu vou ter vários animais, que são muito valiosos, dentro dos currais.

Então o SPDA seria constituído por dois elementos, o elemento que vai captar a descarga e conduzi-la para o solo e o elemento que irá dispersar essa descarga no solo. É preciso fazer um projeto dessas duas coisas para garantir a segurança desse animal confinado.

Além da proteção do animal, é muito comum em áreas de confinamento você ter muitos equipamentos eletrônicos, que são muito caros e precisam também ser protegidos. Resumindo, o SPDA é responsável pela proteção dos animais, das pessoas que circulam pela propriedade e do sistema elétrico-eletrônico que está inserido naquela área de confinamento.

Existe uma norma brasileira, que não é específica para área rural, é mais voltada para edificações, mas em confinamento ela pode ser perfeitamente aplicada.

Sobre o custo, faz muito tempo que não mexo com projetos, mas é difícil dizer um número porque depende da área do confinamento, se você está falando de um curralzinho de 100-200m² é uma coisa, mas hoje, nós temos confinamentos extremamente sofisticados.

Não é caro, mas também não barato. O sistema de proteção é necessário, a perda de animais é muito grande e não tem jeito de evitar isso se não houver o sistema de proteção. O ideal é chamar um técnico especializado que fará um estudo para a implantação do sistema.

Geralmente a utilização da gaiola de Faraday é mais recomendada do que o tipo Franklin porque dará uma proteção maior. A instalação é mais cara, mas dá uma segurança muito maior.

Scot Consultoria: O aterramento e seccionamento de cerca é bastante utilizado em fazendas, como fazer na maneira correta?

José Osvaldo: Se você colocar no Youtube proteção de cercas contra raios você vai encontrar um vídeo sobre um trabalho que eu fiz alguns anos atrás, onde produzimos um manual de aterramento de cercas e currais contra raios e nos últimos 30 anos esse manual foi editado e agora é possível encontrá-lo na forma de vídeo.

Em linhas gerais, evitar ter uma cerca muito comprida, porque se a cerca com arame for muito comprida e um raio cair em uma ponta, energiza toda a cerca e ela toda vai ficar muito perigosa. Então se eu dividir essa cerca em pedaços menores e um raio cair em cima ou próximo dela, o trecho que ficará perigoso será muito menor.

Então nós recomendamos fazer o seccionamento na faixa de 200m, ou seja, evitar mais do que 200 metros de arame contínuo.

Agora, o seccionamento tem que ser feito com certa técnica, porque se eu seccionar o arame, mas uma ponta ficar muito próxima da outra com uma voltagem elétrica do raio muito alta vai haver um arco elétrico de uma parte para outra e toda a certa ficará energizada.

Por isso que o seccionamento tem que ser relativamente grande. Nós recomendamos no mínimo 0,5m de distância entre os arames de um pedaço da cerca para os arames do outro pedaço da cerca. Como essa distância é grande e para alguns animais pode ser problemática pode ser colocado um ou dois mourões entre o seccionamento para evitar a passagem dos animais, mas o arame tem que ser seccionado.

Nesse trecho que foi seccionado a cada 200m, é interessante que eu faça, no mínimo, uns 4 pontos de aterramentos, porque esse aterramento vai interligar todos os fios da cerca a uma haste, ou no manual tem uns ‘macetes’ para fazer esse aterramento usando o próprio arame da cerca. É esse aterramento que vai levar a energia do raio que caiu perto ou em cima da cerca para a terra.

Então o seccionamento evita que toda a extensão da cerca fique energizada e o aterramento propicia o caminho para essa corrente ir para terra, minimizando os riscos.