Há dois meses fizeram uma oferta de R$2 mil/cabeça pelos meus melhores touros. Na época, era o preço médio vigente em São Paulo.
Eu cheguei a tentar negociar por R$2,5 mil, preço máximo da época. Mas quando o telefone tocou de novo, nem por R$2 mil o comprador queria mais...
- Ah, Dona, sabe como é... o preço do boi gordo não melhora, e eu não consigo te pagar mais que R$1,8 mil.
Depois de muito pensar, resolvi não vender. Pois se fizesse isso, ainda mais considerando que Andradina é uma cidade muito pequena, eu provavelmente não conseguiria vender o resto da boiada - considerada inferior em comparação às “cabeceiras” - nem pelo preço mínimo que, na época, era R$1,8 mil.
Foi uma decisão difícil. Mas como os animais são ainda jovens, eu resolvi esperar por melhores preços para a próxima estação de monta. É um risco. Pode não ter sido a melhor estratégia, mas foi baseada nos valores que regem a minha atividade.
A minha sorte é que eu ainda posso esperar. Mas quem não tem essa alternativa? Alguns criadores comentaram que, quando os tourinhos não conseguem alcançar os preços mínimos, algo entre R$1,6 mil e R$1,8 mil, preferem vendê-los como gado comercial, ou seja, para produção de carne, mesmo que outros produtores ofertem um pouco mais que os frigoríficos.
E é essa atitude que tem gerado muita discussão entre os criadores de gado elite.
PREÇOS
Na primeira quinzena de março, as cotações em leilões registraram média de R$2,3 mil por tourinho, mínimo de R$1,6 mil e máximo de R$2,8 mil. Mas, dentro da porteira a história é diferente.
O valor base de negociação no curral costumava ser de 40 arrobas de boi gordo. Com a arroba cotada em R$51,00 (SP), um tourinho sairia por R$2 mil. Porém, os criadores relataram ofertas de compra a R$1,5 mil, sendo que, com muito esforço, conseguiam vender por R$1,8 mil.
Teve quem vendeu. Mas teve quem recusou, e enviou os animais para abate. Considerando o peso médio de 22 arrobas, o tourinho vale, no frigorífico, R$1,1 mil.
Se a oferta mínima dos produtores cobre o preço do frigorífico, por que enviar os animais para abate? As justificativas bateram com a minha. “Uma questão de valores”.
O EFEITO PRÁTICO DOS VALORES
Tudo bem, a pecuária está numa péssima fase, mas tourinhos por R$1,5 mil? Apenas R$400,00 a mais do que o frigorífico paga? Onde vão parar os anos de seleção e aplicação de tecnologia, que tanto falam ser fundamental para a produção de um animal melhorador, que leve a um melhor rendimento de carcaça, livre de doenças?
- É, mas naquela fazenda venderam tourinhos filhos de touro “X” em vaca “Y” por bem menos de 40 arrobas. Então...
- Então que se eu vender por bem menos que isso, estarei colocando em jogo os valores da minha marca.
Para Maurício Palma Nogueira, coordenador da divisão de gestão empresarial da Scot Consultoria, os valores de uma empresa norteiam as decisões mais acertadas, mais corretas.
Em outras palavras, o “norte” da empresa é guiado pela definição dos valores, da missão, dos objetivos e das metas.
Sob esse aspecto, no caso da venda de tourinhos, quem tem a produção fundamentada em bons valores inspira respeito e confiança por parte de fornecedores e clientes. Nesse caso, realmente pode ser melhor fazer um “mal negócio” hoje (no caso, vender para o frigorífico), para colher bons frutos amanhã.
- É... aquele criador não aceitou vender por R$1,5 mil. Chamou o corretor e vendeu tudo para o corte. Esse é corajoso...
PENSANDO BEM...
Como disse, talvez eu não tenha tomado a melhor decisão. Outros criadores, que optaram por vender para o frigorífico, também podem não ter tomado a melhor decisão.
Essa estratégia é arriscada, mas pode ser que me proporcione melhores resultados à frente.
Pelo menos os meus valores, como os valores dos criadores que também recusam preços tão mirrados, podem se tornar a vitrine de nossas propriedades.