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Em 2010 o bezerro deixou o boi na poeira

por Gustavo Aguiar
Sexta-feira, 14 de maio de 2010 -16h53
Colaborou Alcides Torres, engenheiro agrônomo e diretor da Scot Consultoria.

Atendendo a pedidos, abordaremos novamente o mercado de reposição nesta edição da Carta Boi. Desta vez, faremos algumas considerações sobre a forte trajetória de alta em 2010, apontando tendências e tecendo reflexões para esse mercado.

Primeiro, os preços. Se alguém ainda tem dúvida de que o preço do bezerro está elevado em comparação ao do boi, a figura 1 vai ajudar. Ela nos mostra o ágio ou diferença de preços entre a arroba do boi gordo e do bezerro.



Em 2010 o bezerro deixou o boi na poeira.

A média do ágio entre a arroba do bezerro e do boi, desde o início do último ciclo pecuário completo, em 1997, foi de 13%. Ou seja, esse pode ser considerado o ponto de equilíbrio dessa relação para o período analisado.

Fatores responsáveis

Considerando os preços médios da primeira semana de maio, estamos com um ágio de 33,71%. É o maior ágio desde 1997.

Os preços da reposição estão em forte alta. Realmente esse movimento não era esperado com tanta intensidade.

A seguir vamos pontuar alguns fatores que podem ter ligação com esse fenômeno.

Volume de chuvas: esse ponto é o mais visível. A quantidade de chuvas em 2010 propiciou uma ótima condição para o crescimento das forragens.

O criador certamente aproveitou o momento de pouca oferta de bezerros e boas condições de suporte das pastagens para ganhar vantagem nas negociações.

Abates de fêmeas: de acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o abate de fêmeas vem diminuindo nos últimos três anos. (veja mais na edição 90 da Carta Boi).

Como tendência esses números são extremamente valiosos. Mas como só contemplam abates fiscalizados e não dividem por sexo os animais jovens, como novilhos e novilhas, o real impacto do abate de fêmeas sobre a oferta de bezerros pode ter sido mascarado.

Com isso, apesar de estarmos em uma fase de recomposição do rebanho, nos parece que o choque do excesso de abate de fêmeas foi especialmente profundo na virada deste último ciclo pecuário.

E não era para ser diferente. Afinal, é bom que se lembre que o preço do boi atingiu o menor valor deflacionado da história em 2006.

Atividade de cria: na figura 1, repare que de 2003 a 2008 a atividade de cria esteve pressionada e o resultado foi o estreitamento da diferença entre o preço da arroba do bezerro e do boi gordo. A resistência aconteceu em torno da média histórica.

Durante esse período também tivemos um momento (meados de 2003 ao início de 2005) em que a arroba do bezerro valeu menos que a do boi gordo.

Estes fatos desestimularam a atividade de cria. Provavelmente muitos criadores não resistiram na atividade ou migraram para a recria/engorda.

Como consequência, espera-se que a recuperação da oferta de bezerros, no atual ciclo, seja mais lenta do que em ocasiões anteriores.

Longo prazo

Antes de falar das perspectivas do mercado, vamos abordar a relação entre a evolução técnica e a estrutura de mercado. Observe a figura 2.



A quantidade de bezerros que se compra com a venda de um boi gordo tende a diminuir. Essa é uma tendência com a qual temos de conviver.

São vários os motivos para esse cenário, e um deles é a evolução dos índices técnicos e a aplicação de tecnologia. Conforme a produtividade aumenta, os custos fixos são diluídos e a arroba engordada se torna mais barata.

Naturalmente a atividade de cria não é capaz de colher aumentos de produtividade, advindos da aplicação de tecnologia, da mesma forma que a recria e engorda.

Assim, com a evolução dos índices zootécnicos e da eficiência destes dois últimos segmentos de produção, acontece uma defasagem, com a reposição do rebanho tendo uma demanda maior ou mais intensa, provocando o aumento do preço da arroba do bezerro, por exemplo.

Não que esse fato explique a forte alta do bezerro em 2010, mas é uma tendência de longo prazo e não devemos menosprezá-la.

Expectativas de curto prazo

Esperamos um mercado firme para a reposição no segundo semestre. Porém, acreditamos que a alta observada desde o início do ano não se manterá.

Basicamente por três motivos:

Primeiro, estamos diante da pior relação de troca entre o boi gordo e o bezerro da história. E mais, atingimos esse ponto bruscamente. Isto vem afetando o volume de negócios.

O clima já dá sinais de mudança. Os pastos estão secando e o comércio de animais será facilitado, o que tende a aliviar os preços.

Por último, apesar da expectativa de mercado firme também para o boi, o quadro é de resistência a altas expressivas. Um dos motivos é a lentidão no consumo de carne, além da concorrência com a carne de frango, esta última ajudada pelo preço deprimido do milho.

As cotações de garrotes e bois magros também devem perder o fôlego.

Por enquanto é isso. Vamos acompanhar o mercado para reajustes de previsões.