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Davi X Golias:Os admiráveis pecuaristas irlandeses


Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008 - 14h34

Confesso que, nos últimos dias, perdi algumas preciosas horas de trabalho e de lazer maldizendo a pecuária e os pecuaristas irlandeses. E veja bem, de forma alguma eximo de culpa, nesse episódio do embargo europeu, o governo e a cadeia produtiva da carne bovina do Brasil. Prometemos o que não podíamos e/ou não tínhamos vontade de cumprir, e falhamos em negociar condições mais favoráveis à nossa realidade produtiva. Isso não dá para negar. Mas que os irlandeses souberam aproveitar a confusão para encontrar “cabelo em ovo”, isso eles souberam. Os problemas brasileiros, no que diz respeito à rastreabilidade (principalmente) e à sanidade animal, foram escancarados e maximizados ao extremo. Já as nossas vantagens, ou nossos pontos fortes, foram totalmente esquecidos. Pode-se dizer que foram ignorados por completo. A Comissão Européia toma as suas decisões com base, principalmente, nos pareces técnicos das missões que, regularmente, vêm ao Brasil. Mas é óbvio que o lobby dos pecuaristas europeus, notadamente o dos irlandeses, exerce significativa influência no processo. Têm muita força esses irlandeses, muita mesmo. Mas o que é a pecuária irlandesa perto da brasileira? Um cisco! Veja na tabela 1. No Brasil, são mais de 2,5 milhões de pecuaristas. Na Irlanda, de 5,8 milhões de habitantes, quantos serão os pecuaristas? No Brasil, que abate mais de 45 milhões de cabeças bovinas por ano, o PIB do agronegócio pecuário, de acordo com o Cepea – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Universidade de São Paulo, é de R$152 bilhões. Na Irlanda, que abate apenas 1,77 milhões de cabeças bovinas ao ano, qual será o volume de riqueza gerado pela pecuária? Qual será a representatividade dessa atividade quando se considera o PIB da UE? Pense nisso e me responda. Quem deveria ter mais força, mais “peso político”, mais espaço na mídia: os pecuaristas brasileiros ou os irlandeses? Agora, responda essa: quem de fato tem? IMAGEM É TUDO Os pecuaristas brasileiros são muito mais eficientes, muito mais competitivos. Sem apoio algum, sem subsídios, produzem com menos da metade do custo europeu. No Brasil nunca houve vaca louca, ao contrário da Europa e dos Estados Unidos. Os produtores brasileiros não usam hormônios, ao contrário de argentinos e americanos. Os índices de vacinação contra febre aftosa, na maior parte do Brasil, se aproximam de 100%. No que diz respeito à produtividade, entre 2001 e 2006, enquanto as áreas de pastagem do Brasil encolheram 2%, o rebanho bovino cresceu 15%, a produção de carne bovina 53% e as exportações 181%. Lógico que a abertura de novos mercados e a modernização do parque frigorífico contribuíram para que o País se tornasse o maior exportador de carne bovina do planeta, tanto em volume quanto em faturamento. Mas isso não seria possível se o pecuarista brasileiro, com ou sem crise, não tivesse investido pesado no negócio, “entupindo” o Velho Continente de carne vermelha barata, e de boa qualidade. Fantástico tudo isso, não? Mas ainda assim, perante os olhos de boa parte do mundo (principalmente da Europa), quem é melhor? O pecuarista brasileiro ou o irlandês? O fato é que, enquanto os inexpressivos e ineficientes produtores irlandeses batem, os gigantescos e competitivos produtores brasileiros apanham. Não tem algo errado aí? Os pecuaristas brasileiros, dentro e fora do País, têm sido taxados de ineficientes, antiquados, escravocratas, destruidores da natureza, etc. Dê uma lida nos principais jornais e revistas da última semana, para entender o que eu estou querendo dizer. Já os irlandeses estão ganhando fama de defensores da saúde pública e da responsabilidade sócio ambiental. Alguém já viu uma campanha em defesa da carne brasileira ou do pecuarista brasileiro? Esqueçam os veículos de mídia especializados. Pregar para agropecuaristas que a pecuária não é a causa do aquecimento global, que a carne bovina faz bem à saúde e que o produto brasileiro é de boa qualidade é a mesma coisa que pregar o evangelho num convento. Qual o efeito prático? Quero dizer o seguinte. A pecuária brasileira gira em torno do seu mundinho próprio, enquanto seus inimigos buscam a massa. Os pecuaristas irlandeses não ficam falando mal da carne brasileira apenas em dias de campo, revistas e sites de pecuária. Eles se esforçam para “cutucar” o governo e os consumidores. Suas campanhas ganharam o mundo através de jornais, revistas, TV e internet. Alguém já viu uma entidade de classe, que represente os interesses dos pecuaristas brasileiros, ser consultada antes da criação ou alteração de alguma lei que, de alguma forma, interfira no andamento da atividade? Algo relacionado ao desmatamento, a impostos ou ao controle de trânsito animal, por exemplo? Já os irlandeses estão sempre a par de tudo. A Comissão Européia, por exemplo, além de ouvi-los sempre, presta conta a eles sobre tudo que faz. É impressionante! A LIÇÃO Pensando nisso tudo é que passei a admirar os tais pecuaristas irlandeses. Eles podem ser economicamente pouco representativos e bastante ineficientes do ponto de vista produtivo. Mas ao invés de serem expulsos do mercado, trataram de derrubar seu principal adversário. Agora, colhem os louros da vitória, como ilustra a figura 1. Tamanho, definitivamente, não é documento. Está provado que pequenos grupos, bem articulados, podem mais do que grandes forças mal organizadas. Essa é a grande lição que vem da Irlanda. Tenhamos, pelo menos, a humildade de aprender com ela.
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