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Scot Consultoria

Exportações de gado em pé... Por que não?


Quinta-feira, 19 de junho de 2008 - 10h20

Eu não estava a fim de “meter o bedelho” nessa questão. Porém, nos últimos dias tenho lido muita coisa distorcida, muito comentário parcial. Então vai aqui a minha opinião. Serve, ao menos, para esquentar o debate. O Brasil exportou, em 2007, algo em torno de 431,84 mil cabeças bovinas para abate. Um aumento de 19.930% em relação a 2003, quando esse tipo de comércio começou a engrenar. No primeiro quadrimestre deste ano já houve crescimento de 62% em relação ao mesmo período de 2008, com cerca de 118,79 mil bovinos exportados. Em 2005 saía gado tanto do Sul quanto do Norte do País. Porém, em função da redução de oferta e do aumento dos preços, o Pará tomou a dianteira. Veja na figura 1. O Líbano, há alguns anos, era praticamente o único comprador. Agora a Venezuela também tem importado muito. O primeiro prefere trabalhar com animais vivos em função de questões culturais/religiosas. O segundo busca matéria-prima para garantir o funcionamento das indústrias locais, em crise de abastecimento (resultado da política de desestímulo da produção através do tabelamento de preços). Não importa quem é o cliente, tão pouco suas razões. O fato é que o Brasil, assim como fez com a carne bovina, aproveitou uma oportunidade. A demanda surgiu e o país correu para atendê-la. Em 2004 o Brasil respondia por 0,08% do mercado mundial de exportação de bovinos vivos. A representatividade aumentou para mais de 10% em 2007, e deve crescer mais. Frigoríficos e curtumes já se posicionam contra esse tipo de comércio. Estamos mandando as matérias-primas embora, de navio. Além do boi, vai junto a carne, o couro, o sebo e os miúdos, tudo na forma bruta. Não estaríamos, portanto, “agregando valor” aos produtos nacionais, contribuindo para uma menor geração de empregos e renda. Isso sem contar a questão do abastecimento das indústrias nacionais. Está faltando gado e couro verde no mercado, não está? Vamos começar a esclarecer as coisas aqui. A pecuária brasileira atravessa um período de ajuste produtivo, bastante intenso, aliás. Colhemos hoje o fruto do descarte forçado de matrizes, da redução de investimentos e do uso de insumos no campo e do avanço da agricultura sobre área de pastagens. Veja só: Entre 2001 e 2006 o abate de bois, no Brasil, cresceu 39%. Já o de vacas registrou um avanço de 169%. Em alguns Estados, como Pará, Rondônia e Rio Grande do Sul, o crescimento do abate de vacas, nesse mesmo período, superou os 200%. No Tocantins o aumento foi de 1.029%!! (dados do IBGE). As reprodutoras, portanto, foram para o pau. A produção de bezerros caiu e o rebanho enxugou. Agora, em função da recuperação dos preços da cria, o produtor volta a reter matrizes. Num primeiro momento, esse movimento agrava ainda mais a situação da indústria, já que as fêmeas são retiradas do mercado. Entre 2004 e 2006, o PIB do setor de insumos para a pecuária recuou de R$12,99 bilhões para R$12,14 bilhões (dados do Cepea). Se o setor de insumos está gerando menos riqueza, é sinal de que o produtor está aplicando menos tecnologia, ou passou a usar produtos mais “básicos”, fugindo das linhas “premium”. Menos insumos, ou insumos de pior qualidade, levam à piora dos índices zootécnicos, ou seja, caem as taxas de fertilidade, natalidade, ganho de peso, etc. No final, é menos gado e menos carne no mercado. Entre 2001 e 2006 as áreas de pastagem no Brasil encolheram de 179,20 milhões de hectares para 176,46 milhões de hectares (dados da Scot Consultoria). A pecuária cedeu espaço para a agricultura. Lógico que, através de aplicação de tecnologia, foi possível compensar parte dessa perda de espaço. Mas o resultado seria bem melhor, não fosse a retração tecnológica ocorrida entre 2004 e 2006. O reflexo disso tudo, de acordo com estimativas da Scot: O rebanho bovino brasileiro, entre 2005 e 2008, deve diminuir de 207,16 milhões de cabeças para 195,27 milhões de cabeças. Não importa se o IBGE virá com um número novo para o rebanho de 2006, após a realização do Censo. Preste atenção no tamanho do ajuste para 2008, algo em torno de 6%. Os abates tendem a recuar de 47,25 milhões, em 2006, para 43,21 milhões de cabeças, em 2008. A diferença supera o que o Brasil tem, hoje, de gado em confinamento. Sendo que as indústrias expandiram a capacidade de abate. Vale destacar que esses números devem ser analisados com viés de baixa. Mas o que deu início a isso tudo? Veja a figura 2. A linha mais grossa, alaranjada, é a inflação. Veja que, entre 2002 e 2006, os preços pecuários (boi e bezerro) variaram abaixo da inflação, ao passo que os custos de produção reagiram acima do aumento geral dos preços da economia. Vale lembrar que, em junho de 2006, o preço médio do boi gordo em São Paulo, em termos reais, foi o mais baixo dos últimos 50 anos. Custo em alta e receita em baixa leva ao achatamento das margens, que por sua vez dá início a medidas emergenciais. Como um criador no Pará, por exemplo, tocava a fazenda vendendo, no início de 2006, um bezerro anelorado a R$240,00/cabeça? Aliás, vamos arrumar essa conta: coloquemos uma taxa anual de desmama de 75% (taxa excelente) e a produção de um/bezerro/vaca ao ano (excelente também), com uma vaca + sua cria por ha (lotação bem acima da média nacional). O criador faturaria então R$187,50/ha/ano. Acha que esse valor cobriria os custos? Lógico que não. É por isso que as matrizes foram para o gancho. É por isso que a agricultura avançou sobre áreas de pastagem. É por isso que a venda de insumos caiu. É por isso, portanto, que a pecuária atravessa, hoje, um período de estagnação. Não tem nada a ver, nem de longe, com a exportação de gado em pé. Vale destacar que, entre 2001 e 2006, enquanto o campo atravessava uma crise medonha, a pecuária brasileira vivia intensamente uma das melhores fases de agregação de valor, pelo menos para fora da porteira, já registradas. As exportações de carne bovina saltaram de US$1,01 bilhão para US$3,88 bilhões, um aumento de 284%. As exportações de couro, por sua vez, passaram de US$0,88 bilhão para US$1,88 bilhão, crescimento de 114%. Mas um dos elos da cadeia, justamente o que dá suporte ao crescimento de todos os outros, ficou à margem dessa bonança, sendo obrigado a “pisar no freio”. Colocar, nas exportações de gado em pé, a culpa pela falta de gado e couro no mercado doméstico, é desviar o foco do problema. Em 2007, as quase 432 mil cabeças exportadas equivaliam a menos de 1% do abate nacional. A representatividade, esse ano, deve aumentar, já que os abates estão em queda e os embarques estão em alta. Mas mesmo que dobre, ou triplique, ainda será muito pouco. Quero dizer o seguinte. Mesmo se as exportações de boi em pé vierem a zero, continuará faltando gado no mercado. A arroba se manterá em alta. Os frigoríficos continuarão trabalhando bem abaixo da capacidade normal de abate, e por aí vai. Algum alívio seria registrado para os frigoríficos do Pará, onde os embarques já equivalem a mais de 11% do abate local. No restante do país, ao menos em termos de oferta, ninguém notaria a diferença. Outra coisa que muito me intriga. O frigorífico pode vender carne para supermercados, restaurantes, lanchonetes, governo (para o abastecimento de escolas e quartéis), etc. Tanto dentro quanto fora do país. O mesmo acontece com os curtumes, que negociam com a indústria automobilística, com a indústria de calçados, de gelatina, têxtil e por aí vai. Por que o pecuarista é obrigado a ter apenas uma opção de venda? Essa questão de menor agregação de valor, de queda na geração de empregos, também convence. Alguns mercados querem carne, outros querem boi. Se pudermos atender ambos, excelente! Quanto mais canais de escoamento para os produtos brasileiros, melhor. Além do mais, se o produtor possuir mais opções de receita, o seu negócio tem mais chance de prosperar, de crescer, e aí ocorre maior geração de emprego e renda no campo e no setor de insumos. Sem contar a movimentação em portos, investimentos e contratação de pessoal para atividades de quarentena e adaptação, demandas específicas desse tipo de comércio (rações peletizadas, serviços veterinários, etc.)... Tudo isso significa mais emprego e renda. Ou não? Tem também quem se levanta contra esse tipo de comércio em função do suposto sofrimento infringido aos animais, típico de transportes em longas distâncias. Ora, aí é questão de se criar protocolos operacionais que garantam instalações seguras, a utilização de insumos de qualidade e a implementação de boas práticas de manejo, minimizando ao máximo o estresse do gado. Concordo com políticas de incentivo (facilidade de acesso a crédito, adequações tributárias, etc.) a atividades comprovadamente agregadoras de valor, intensivas no uso de mão-de-obra. Mas essa mania, típica da cadeia produtiva da carne bovina (incluindo também a cadeia do couro), de “malhar” atividades agregam, diretamente, receita ao que é produzido dentro da porteira, já está ficando chata. A pecuária brasileira é grande o suficiente para dar sustentação a vários tipos de negócio. O ajuste produtivo, presenciado hoje, é natural e cíclico. No longo prazo o rebanho voltará a crescer. E quanto mais participantes (players) estiverem se estabelecido no mercado, melhor.
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