A cadeia produtiva da carne bovina acusou o golpe da marolinha.
Entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009, as vendas externas de carne bovina recuaram, em volume, 29%. O faturamento, por sua vez, despencou 51%. Para uma indústria extremamente alavancada, que amargava um forte aumento de custos (valorização da arroba + ociosidade elevada) e que passava a enfrentar sérias dificuldades para captar mais dinheiro no mercado, o resultado foi desastroso.
Mais de 50 unidades frigoríficas paralisaram as atividades. O setor demitiu em massa, pedidos de recuperação judicial começaram a pipocar aqui e acolá, os preços do boi gordo recuaram entre 1% e 18% (maior e menor retração registradas nos levantamentos da Scot Consultoria) e o calote comeu solto.
No meio disso tudo, teve quem nos quis fazer crer que não havia uma “crise sistêmica” no setor de carne bovina. Havia apenas problemas pontuais... Pode??
Mas o cenário está mudando. Os primeiros sinais positivos vieram de fora, justamente onde começaram os problemas. Veja a figura 1.
As vendas externas estão em recuperação. Em junho, considerando somente a carne in natura (os dados referentes à industrializada ainda não estão disponíveis), superamos o desempenho do mesmo período do ano passado. Os preços também estão em alta. Para saber mais, acesse
“Em junho o Brasil voltou a exportar mais carne bovina do que em 2008” .
Ao mesmo tempo, a ociosidade média das indústrias frigoríficas, muito por conta da redução da concorrência, caiu de um patamar de 40% para algo em torno de 30%. Sem contar que o crédito, mesmo que relativamente mais caro e seletivo, voltou a circular.
O pecuarista sente no bolso os reflexos positivos da melhoria do ambiente de negócios. O boi gordo está em alta desde março, apesar de algumas oscilações negativas registradas de lá para cá. Veja mais em
“O que ocorre?” .
O pós-crise
Considerando que estamos iniciando um período pós-crise, é preciso chamar a atenção para um fenômeno que deve se destacar como um dos reflexos mais visíveis da turbulência econômica que começa a se dissipar: a concentração de mercado.
Outro dia, na edição 48 da revista
PorkWorld, topei com uma interessante colocação do consultor Osler Desouzart: “Como em todas as crises, haverá aqueles que não resistirão e, também como em todas as crises, haverá como resultante uma maior concentração do setor”.
Depois de algumas semanas veio o anúncio da fusão entre Sadia e Perdigão. No que diz respeito à carne bovina, estamos todos na expectativa de que seja anunciado algo semelhante entre Marfrig e Bertin.
De concreto, temos a JBS/Friboi assumindo as plantas do Quatro Marcos no Mato Grosso. Isso significa que, no Estado, a empresa salta de uma capacidade de abate de quase 4,6 mil cabeças/dia para algo em torno de 9,7 mil cabeças/dia.
Vou seguir no exemplo. Em termos anuais, a capacidade de abate da JBS passou de 1,33 milhão de cabeças para 2,81 milhão de cabeças (números aproximados). A “antiga” equivalia a 35% dos abates formais do Estado em 2008. A nova é de 74%.
Resgatei, para essa análise, a tese de doutorado da nossa amiga Fabiana Perobelli, da BM&F/Bovespa. Na página 11 ela montou uma tabela mostrando que, em 2006, os 17 maiores grupos frigoríficos do Brasil respondiam por pouco mais de 63% da capacidade estática de abate do País. A representatividade somente dos cinco maiores era superior a 40%.
Agora vejam como a coisa está. Dois dos antigos integrantes do “G5” estão, atualmente, com as atividades suspensas. E o número 1, que à época possuía uma capacidade diária de abate, no Brasil, de cerca de 15 mil cabeças, chegou a 26 mil.
O fato é que esse processo de concentração não é exclusividade da cadeia produtiva da carne bovina. Aliás, ele já estava em curso; a crise apenas acelerou o processo.
Vale destacar que a estratégia do setor produtivo, de enfiar goela abaixo o esquema de venda de gado somente à vista, pode dar mais uma forcinha a ele. Explico. O frigorífico compra boi a prazo e vende carne a prazo. Se passar a pagar o boi à vista, e a carne continuar sendo negociada com 30 dias, vai enfrentar sérios problemas no fluxo de caixa. A saída seria captar dinheiro no mercado... mas tá fácil, né?
Diante de uma situação como essa, as empresas com melhores condições financeiras e com mais facilidade de acesso a crédito deverão agüentar o tranco. As outras não. E aí o número de compradores vai encolhendo ainda mais.
Já tem indústria frigorífica reestruturando sua estratégia de compra com base nesse cenário. Na verdade, está visualizando uma nova oportunidade para aumentar o seu
market share (participação de mercado).
É preciso considerar que a concentração de mercado tem também aspectos positivos. Setores mais “encorpados” normalmente gozam de maior solidez, maior capacidade de negociação, mais facilidade de acesso a crédito (o que implica em mais investimentos), etc.
Porém, quando se pensa em cadeia produtiva, a concentração de um elo tende a aumentar seu poder de barganha em relação ao anterior. E se tal condição privilegiada foi conquistada, não haveria lógica (do ponto de vista econômico) em não aproveitá-la.
O que eu quero dizer é o seguinte. O mercado sempre será regido pela lei da oferta e da procura. Por outro lado, um elevado poder de barganha serve para minimizar a amplitude de movimentos desfavoráveis de preço, bem como para maximizar a amplitude de movimentos favoráveis.
Outro ponto, que precisa ser considerado, diz respeito aos riscos inerentes a algum acontecimento inesperado que venha a acometer o “rei do pedaço”.
Um exemplo. No início de 2004 (se não me falha a memória), o Friboi realizou uma série de aquisições em Rondônia. A empresa chegou, num determinado momento, a concentrar quase 80% da capacidade de abate do Estado.
Naquele ano, o preço médio do boi gordo, considerando 25 praças que eram pesquisadas pela Scot Consultoria,
reagiu 1% (janeiro a dezembro). Em São Paulo a
alta foi de 2%. Mas em Rondônia houve
queda de 0,5%.
Não bastasse, em função de alguns problemas que agora não vêm ao caso, o Friboi optou por interromper durante alguns dias as operações em Rondônia. Veja na figura 2 o que aconteceu com os preços, de uma hora para outra.
Foi uma paralisação curta... Mas e se tivesse sido longa?
Nos anos que se seguiram, Rondônia passou a receber o investimento de outros grupos, além de registrar também o surgimento de cooperativas de abate. Como resultado do aumento da concorrência (“desconcentração” do setor de compra), foi justamente no Estado que o boi registrou a maior valorização ao longo da fase de alta do atual ciclo pecuário: 125%, contra 87% da média brasileira.
O que fazer?
Já que o processo de concentração é irreversível, a saída é adaptar-se a ele.
No caso do setor produtivo, é necessário investir em seu próprio crescimento. Primeiro, individualmente, trabalhando com tecnologia e gestão. Depois, de forma organizada, através de grupos, associações e/ou cooperativas que compartilhem interesses e/ou atividades comuns. Além do aumento do poder de barganha (na venda do boi, na compra de insumos e na contratação de serviços), ganhos advindos de uma maior representatividade (sob o ponto de vista institucional) e da troca de informações também tendem a ser alcançados no longo prazo.
Preparado e organizado, o campo sofrerá menos com os impactos negativos advindos da concentração do setor de compra e, ao mesmo tempo, conseguirá aproveitar melhor o que ele traz de positivo: menor risco de inadimplência (ficarão as indústrias mais capitalizadas), novas formas de financiamento da produção (através de bancos de frigoríficos ou de parcerias entre frigoríficos e instituições financeiras), novas formas de comercialização (através de compras contratuais), mais acesso a informação (através dos balanços das companhias) e por aí vai.
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