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Scot Consultoria

A fome com a vontade de comer


Sexta-feira, 24 de outubro de 2008 - 15h05

Independentemente de períodos de baixa ou de alta, nos últimos anos o bezerro vem se valorizando mais que a vaca. E a vaca mais que o boi. Em relação a abril de 1996 o bezerro vale atualmente 5,16 vezes mais; a vaca vale 4,98 vezes mais e o boi 4,22 vezes mais. Veja na figura 1, a evolução dos preços tendo abril de 1996 como base 100. Mesmo na baixa do ciclo pecuário, evidente de 2001 a 2006, o preço do bezerro subiu mais que o preço do boi gordo. Salvo exceções, observadas entre 2003 e 2004, quase sempre o preço do bezerro subiu mais, em valores nominais. Como a diferença das variações é pequena em doze anos (período analisado), a relação de troca tende à estabilidade. No entanto, no longo prazo, é de se esperar que exista uma redução na relação de troca entre o boi gordo e o bezerro. A média do período é de 2,19 bezerros por boi gordo de 16,5@. Chama a atenção também, a valorização do preço da vaca gorda em relação ao boi gordo. O deságio do preço da arroba de vaca, em relação à do boi, vem diminuindo ao longo do tempo. Veja na figura 2, a evolução do deságio da vaca. Nitidamente a diferença entre o preço da vaca e o preço do boi vem diminuindo ao longo dos anos. Em outubro deste ano o deságio passou a ser de 7,7%. Diversos fatores e argumentos podem explicar esse quadro. No entanto, é possível afirmar que a velocidade com que a recria-engorda agregou tecnologia nos últimos anos seja um dos principais motivos. A cria agregou menos tecnologia em relação à recria-engorda. Com a terminação incorporando mais tecnologia, como suplementação protéica, sal com uréia, manejo de pastagens, semi-confinamento e confinamento, por exemplo, aumentou a pressão sobre a produção de bezerros e, conseqüentemente, sobre as vacas. Esse fenômeno acontece ao longo dos anos, lentamente. Para percebê-lo, somente através de uma longa série de preços. Vamos ver. Com o aumento da eficiência na terminação, o giro é maior. Se o giro é maior, o pecuarista vai mais vezes, no médio prazo, à compra de bezerros. Assim aumenta a demanda. Esse aumento na velocidade do giro aumenta a oferta de bois terminados. Os preços pagos pelos frigoríficos, conseqüentemente, sobem menos ao longo do tempo. Observe que se trata de algo difícil de enxergar no curto prazo. Principalmente quando os preços estão em alta, como agora, com escassez de animais para abate. A própria falta de animais para abate é fruto desses acontecimentos. Nos últimos anos, além do abate de matrizes, o adiantamento de grande parte das “eras” jovens, que terminaram mais cedo, também é causa da atual escassez de boi. No primeiro semestre, a Scot Consultoria chamava a atenção para a valorização do gado de reposição. Para que o confinamento, nos moldes tradicionais, empatasse com a venda de um boi magro, que era cotado por volta de R$1.100,00 por cabeça, o boi teria que ser vendido a R$105,00/@. Através de diversos cálculos integrando relações entre bois, bezerros e vacas, poderíamos considerar que pelos padrões históricos, o preço do boi gordo estaria defasado em torno de 15% a 25%, dependendo da região. Em São Paulo, por exemplo, o reajuste dessa diferença implicaria em um preço de R$106,00/@. É evidente que o preço da arroba não obedece relações históricas, mas sim o que o mercado pode pagar. Por diversas razões, os valores do boi gordo estão abaixo do que o produtor gostaria, ou do que a relação de troca sugere. É o mercado que define a cotação. Ao longo deste ano, a valorização do boi gordo em 25% serviu para amenizar o aumento dos custos de produção, que subiram 32%, segundo cálculos da Scot Consultoria. Como o mercado não paga o que o produtor almeja, ele contém as vendas esperando por uma provável valorização. Além da relação de troca, há também a expectativa com relação ao dólar, que se valorizou em meio à crise. Recentemente, na publicação Carta Pecuária de Longo Prazo de outubro, editada pela Scot Consultoria, Rogério Goulart mostrou que nas duas últimas maxi-desvalorizações do Real frente ao dólar, em 1999 e em 2002, o preço do boi gordo subiu 48% e 45%, respectivamente. O pecuarista, esperando essa reação de mercado, tentar segurar o máximo que puder a venda dos animais. E aí entra um comportamento interessante que nos chamou a atenção pelo excesso de consultas de produtores, clientes de consultoria, e leitores de nossos informativos. O que compensa vender hoje? Vaca ou boi? Contrapondo a perspectiva do produtor que espera pela valorização da arroba do boi gordo, com o atual preço da arroba da vaca gorda frente à do boi gordo, o pecuarista que explora o ciclo completo fica tentado a desfazer-se das fêmeas. Observe novamente a figura 2. Se por um lado a alta dos bezerros estimula a retenção de fêmeas, por outro o preço mais alto da arroba da vaca estimula as vendas. Da mesma maneira, na ponta compradora, frigoríficos mais apertados e que atuam basicamente no mercado interno também preferem comprar fêmeas para abate. “É a fome com a vontade de comer.” Por isso a vaca vale tanto, relativamente. Há pecuaristas retendo, especialmente os criadores que vendem bezerros, enquanto há frigoríficos querendo comprar para melhorar o caixa. Devem estar vendendo vacas os produtores que planejam segurar bois para engorda. Em função disso tudo este ciclo de alta está produzindo fatos interessantes. É fato que o abate de matrizes diminuiu. Em 2007, a soma do abate de bois e vacas no mercado formal aumentou 2,67%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No mesmo período, o abate de vacas caiu 5,9% em relação a 2006. No primeiro semestre deste ano, comparado ao primeiro semestre de 2007, o abate de bois e vacas caiu 5,89%, enquanto o abate somente de vacas recuou 7,36%. Portanto, é evidente que o processo de retenção de fêmeas começou há algum tempo. Mas ainda não o suficiente para equilibrar o mercado. Na figura 3 é possível analisar a evolução do abate de bois e vacas e a participação das vacas em relação ao total abatido. Vale ressaltar que a soma de bois e vacas representa hoje cerca de 86% dos animais abatidos no mercado formal, segundo o IBGE. Os demais 14% são compostos por novilhos, novilhas e vitelos. Em anos de preços em alta, as fêmeas representam cerca de 32% do abate. Em anos de preços em baixa, as fêmeas representam 41,5% do abate. No primeiro semestre deste ano, as vacas representaram 43,21% do abate de bois e vacas. O primeiro semestre, época de descarte de matrizes vazias, tende a concentrar a maior quantidade de fêmeas abatidas no ano. Comparando apenas os primeiros semestres dos últimos anos, podemos constatar que as vacas representaram 41,81% em 2004; 45,94% em 2005; 47,13% em 2006 e 44,36% em 2007. Em 2008, portanto, o abate de fêmeas ainda estaria em níveis elevados, típico de ciclo de baixa, apesar da evidente retenção de matrizes. Em diversas análises, emitidas pela Scot Consultoria, foi explorado o atual momento do ciclo pecuário, que já poderia estar entrando em equilíbrio. Mas se o cenário aqui considerado estiver correto, o que acontecerá, quando os preços do boi gordo atingirem os patamares que o pecuarista espera? Qual será a capacidade das matrizes do rebanho nacional em repor fêmeas e machos a partir daí? Em agosto, uma análise assinada pela equipe Scot Consultoria informava que, no máximo, o abate de fêmeas poderia ser de 42% (considerando abate formal e informal) entre bois e vacas, para que o rebanho se estabilizasse. Não haveria crescimento. Isso sendo gentil e otimista com os índices zootécnicos da cria, considerando um rebanho de 67 milhões de fêmeas aptas a parir e um abate máximo de 45 milhões de cabeças por ano. Mas, qual é realmente o tamanho do rebanho brasileiro? Qual a proporção de fêmeas jovens em estoque para entrar e produção? E, principalmente, quais são os índices zootécnicos médios da cria? O fato é que nos próximos anos a cria terá que incorporar tecnologia e melhorar os índices zootécnicos num ritmo nunca visto. Será a única maneira da pecuária de corte brasileira continuar conquistando mercados e manter o rebanho estável ou em crescimento. Para que isso aconteça, é preciso preços firmes e atraentes para todas as categorias animais nos próximos anos. A menos que haja uma forte retração no consumo de carne e nas perspectivas de aumento do consumo em países em desenvolvimento, não é de se duvidar que o período de alta no ciclo pecuário se estenda até que toda a melhoria zootécnica seja incorporada no setor da cria. É a vez da cria ditar o ritmo de incorporação de tecnologia.
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