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Scot Consultoria

Concentração: tendência irreversível


Terça-feira, 22 de agosto de 2006 - 20h49

Recentemente a Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, solicitou ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a condenação de 8 empresas frigoríficas por prática de formação de cartel. Algumas indústrias escaparam, mas outras ainda podem entrar na dança. Cartel, de acordo com o dicionário, é um acordo comercial entre empresas, as quais, embora conservem autonomia interna, se organizam para distribuir entre si cotas de produção e mercados, além de determinar preços, suprimindo a livre concorrência. Pela legislação brasileira, tal prática se constitui crime. Desde que provada a sua existência, os culpados têm de ser punidos, conforme determina a lei. Mas como já diziam os antigos, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Ao contrário do que muitos pensam, cartel nada tem a ver com concentração de forças, que muitas vezes culmina em oligopólios (quando um número limitado de produtores passa a influenciar o mercado) e/ou oligopsônios (quando um número limitado de compradores passa a influenciar o mercado). Tanto no caso dos oligopólios, quanto dos oligopsônios, a concentração ainda não é suficiente para desprezar a ação de competidores. Em outras palavras, vale ainda a lei da oferta e da procura, apesar da força dos grandes grupos. Nessas situações ninguém precisa sentar para combinar preços. É o elevado poder de barganha das empresas, ou grupos, que lhes permite obter vantagens em determinadas situações de negócio. É o que acontece hoje na agropecuária. O produtor está espremido entre oligopólios, que são as indústrias de insumos, e oligopsônios, que são as agroindústrias de processamento. Na negociação, quase sempre, leva desvantagem, por ter menor poder de barganha. A situação se agrava em função da necessidade constante de aplicação de tecnologia e aumento de produção, pois na produção de commodities, onde as margens são apertadas, é preciso conseguir ganhos em escala. No final, têm-se cada vez mais produtos para serem comercializados e adquiridos em mercados cada vez mais concentrados. A essa situação desfavorável dá-se o nome de “tesoura de preços”. Concentração na Cadeia Produtiva da Carne Bovina Vamos tomar como exemplo a Cadeia Produtiva da Carne Bovina, analisando o “depois da porteira”, que são os frigoríficos. Um levantamento realizado pela Gazeta Mercantil em 2000 apontava que os quatro maiores grupos frigoríficos do Brasil respondiam por 60% das exportações brasileiras de carne bovina. Em 1997 os mesmos grupos ostentavam um market share de 36%. Veja que a concentração cresceu significativamente no período. Dados compilados pela Scot Consultoria dão conta de que existam cerca de 1,6 mil frigoríficos com algum tipo de inspeção no Brasil. Desse montante, tem-se apenas pouco mais de 300 unidades com SIF, dentre as quais 35 habilitadas a exportar. Apenas 18 indútrias respondem por quase 100% das exportações brasileiras de carne bovina e, em 2004, a capacidade de abate das 12 maiores já respondia por quase 40% dos abates totais do mesmo ano. Tem quem afirme que a indústria frigorífica já pode ser caracterizada como um oligopsônio. Outros apontam que ela está em vias de chegar lá. De toda forma, a concentração é significativa, tanto em termos de produção quanto de comercialização. No entanto é preciso destacar algumas coisas. Primeiro que, em relação a outros setores, inclusive outras cadeias produtivas, até que o grau de concentração da indústria frigorífica da carne bovina é pequeno, basta tomar os exemplos do suco de laranja, das carnes suínas e de frango, da soja, etc. Depois, a formação de grandes grupos é uma tendência mundial, inerente às economias de mercado, que se caracterizam pelo baixo intervencionismo no mercado por parte do Estado. Os mais fortes, ou mais competentes, se estabelecem. É algo parecido com a lei da selva. Acompanhe o relato a seguir. “Os pecuaristas enfrentam uma série de problemas econômicos atualmente: custo crescente das terras, preços estagnados, excesso de produção... pressões do desenvolvimento generalizado, impostos de transmissão e informações alarmistas das autoridades sanitárias sobre a carne bovina. Além disso, o crescimento das redes de fast food incentivou a consolidação das empresas frigoríficas”. O trecho foi retirado do livro “País Fast Food”, de Eric Scholosser. Parece até o Brasil, mas não é. É o retrato do mercado da carne bovina nos Estados Unidos. Concentração: bom ou ruim? Confesso que já me arrependi de ter feito a pergunta. Veja só, algumas correntes econômicas defendem que o processo é benigno, pois favorece a organização e, conseqüentemente, a adoção de estratégias mais eficientes de produção, comercialização, marketing, etc., por alguns setores. No final tem-se um aumento na geração de divisas, de emprego e de renda. A própria Cadeia Produtiva da Carne Bovina tem um bom exemplo a dar. Alguém contesta que a organização das indústrias, principalmente por meio de uma associação forte e atuante (ABIEC), não foi um dos fatores que levou à melhoria dos resultados obtidos com as vendas externas? Estes resultados sustentaram a expansão dos frigoríficos, a criação de novos postos de trabalho, o aumento na arrecadação de tributos, o superávit da balança comercial... e por aí vai. Na outra ponta, tem quem aponte as mazelas da concentração, dentre as quais se destacam a eliminação progressiva da concorrência e o fechamento de pequenas empresas. O resultado seria, ao contrário do que foi apresentado anteriormente, o aumento do desemprego, a queda na arrecadação de tributos, etc. No caso de cadeias produtivas, destaca-se também o achatamento das margens dos elos mais fracos (de menor poder de barganha), que culmina em redução de investimentos. Aí já se tem um ponto de inflexão: as margens da bovinocultura de corte vêm diminuindo ao longo dos anos. Porém, os investimentos, caracterizados pela aplicação de tecnologia, têm aumentado. Em síntese, há muito o que se discutir em torno da questão da concentração de forças. O que se tem por certo é que cabe ao Estado, por meio de regulamentações, coibir abusos e apontar alguns caminhos para que se possa maximizar os efeitos positivos atrelados ao processo. Nessa hora, todo cuidado é pouco para não abusar das intervenções. Afinal, parafraseando Alcides Torres, “o governo é lento, o mercado é rápido”. O excesso de participação do Estado pode gerar ineficiência. Com relação às ações ao longo da cadeia, cabem aos elos considerados mais fracos buscarem alternativas para minimizar os impactos da concentração de forças e maximizar os resultados produtivos. Muitas delas já foram discutidas nesse espaço: a gestão de custos; a gestão de riscos (mercado futuro e de opções); a aproximação junto às indústrias (algumas trabalham com programas especiais de fidelização de fornecedores e de premiação na entrega de animais e, às vezes, couro de qualidade); a busca de novos mecanismos de comercialização (centrais de compra, centrais de venda, cooperativas, verticalização, etc.) e o fortalecimento de associações e/ou outras entidades representativas. Destacam-se a gestão de custos e de riscos como passos obrigatórios. Uma coisa é clara: protestar contra a ordem natural das coisas não adianta nada, ao menos em termos práticos. O processo de concetração de forças é irreversível e acomete, em maior ou menor grau, todos os setores da economia e todos os elos das cadeias produtivas. O segredo é saber lidar com ele.
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