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Scot Consultoria

Se nem toda carne vai para o mesmo balaio, o boi também não pode ir


Quinta-feira, 26 de julho de 2007 - 17h42

A pecuária de corte brasileira está em transformação, reflexo, principalmente, do avanço das exportações. Acompanhe, na figura 1, a evolução da produção de carne bovina no Brasil e dos volumes destinados a abastecer os mercados interno e externo. Atenção especial às variações. A figura ilustra duas coisas importantes. Primeiro, o mercado interno ainda é o principal destino da carne bovina produzida no Brasil. Porém, e aí vem a segunda constatação, o mercado externo é o que mais cresce. E essa tendência deve se intensificar ao longo dos próximos anos, em função de alguns fatores. Dentre eles, destacam-se: 1. O consumo mundial de carne bovina está em expansão (veja tabela 1). Destaque para os países em desenvolvimento, que vêm registrando as maiores taxas de crescimento econômico; 2. O consumo per capita de carne bovina no Brasil já é relativamente alto (as estatísticas apontam algo entre 38 kg e 43 kg/habitante/ano), e o ritmo de crescimento da economia nacional tem ficado abaixo da média mundial, notadamente baixo da média dos países emergentes. Portanto, o consumo de carne bovina tem mais potencial de crescimento fora do que dentro do Brasil; 3. São as indústrias exportadoras que estão investindo. Os frigoríficos exportadores, de acordo com a Abiec - Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, tinham o equivalente a R$1 bilhão investido no Brasil no final da década de 80. Dez anos depois os investimentos chegavam a quase R$3 bilhões, e atualmente se aproximam de R$10 bilhões. Ainda de acordo com a mesma fonte, as indústrias exportadoras (incluindo todas, mesmo as que atendem apenas lista lista geral) respondiam por 68% dos abates bovinos do Brasil em 2006, sendo que a participação dos cinco maiores grupos era de 13,5%. Hoje, depois de novas aquisições e ampliações, a participação dos “grandões” com certeza aumentou um pouco mais. E novos investimentos ainda estão por vir, embalados pelos recursos recém adquiridos através de abertura de capital. Vale lembrar que as exportações brasileiras de carne bovina respondem por mais de 32% das exportações mundiais e que, no primeiro semestre deste ano, os embarques de carne in natura cresceram 30% em relação ao mesmo período do ano passado. Mas lá fora, como aqui dentro, também tem de tudo um pouco. Alguns mercados se preocupam essencialmente com preço. Muitas vezes, para acessá-los, a principal exigência é que os valores estejam abaixo do que é praticado pelo comércio local. Na África, principalmente, é assim. Oriente Médio é outra região onde o que vale mais é o preço baixo. Ainda assim, são mercados importantes. Ajudam, por exemplo, a escoar o dianteiro, que internamente é um problema. Mas existem também os consumidores que exigem qualidade. E não só qualidade de produto (acabamento, cor, maciez, etc.), mas, principalmente, qualidade de processos (sanidade, rastreabilidade, boas práticas de manejo, controles e mais controles). Veja só. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, mas 57% do mercado mundial está fechado para a carne in natura brasileira, por conta do status sanitário. Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul, por exemplo, só aceitam comprar carne de países totalmente livres de febre aftosa, e sem vacinação. Dentre os mercados mais exigentes em qualidade, e que por conta disso pagam melhor, o Brasil praticamente só atende a União Européia (UE). Nesse caso, temos que enfrentar alguns problemas. Primeiro, a exorbitante tarifa de importação praticada pelos europeus chega a 12,8% + 3.041 euros/tonelada. Dessa forma, só é viável para o Brasil exportar cortes nobres para a UE. Dianteiro, nem pensar. Segundo, o nível de exigência dos consumidores europeus não pára de aumentar. Enquanto o Brasil ainda bate cabeça para atender às demandas relacionadas à rastreabilidade e à sanidade, certificações mais específicas (e “trabalhosas”, como Eurepgap e Aus-Meat) ganham força. Sem contar as novas barreiras não tarifárias que devem vir por aí, principalmente relacionadas a questões sócio-ambientais. É a tal da sustentabilidade, que agora está na moda. E justamente por conta da dificuldade em atender à risca as exigências européias, a carne bovina brasileira enfrenta um lobby pesado contra sua presença no continente, notadamente por parte de ingleses, franceses e, principalmente, irlandeses. Um déficit anual, entre o que produzem e o que consomem, que varia de 500 a 600 mil toneladas de carne bovina, não encoraja o comando da UE a embargar de vez a carne brasileira. Mas conviver com essa ameaça constante é, no mínimo, um grande incômodo. O mercado internacional é, na verdade, uma salada de diferentes mercados, cada um com suas exigências e especificidades. Não é o objetivo desta análise discutir a “essência” ou a lógica de cada uma delas. Apenas chamamos a atenção para o fato delas existirem. É preciso, portanto, compreendê-las e trabalhar no sentido de formar um bom mix de clientes, que não crie muita dependência e que promova uma boa “mescla” entre mercados de preço e mercados de qualidade. Vale ressaltar também que tanto o preço baixo, quanto a qualidade (de processo e/ou de produto), são atributos que começam a ser construídos no campo. Portanto, um mínimo de coordenação e de alinhamento de objetivos entre os diferentes elos da cadeia produtiva, notadamente produtor e frigorífico, é mais do que necessário para atender de forma eficiente todos os clientes. Como os custos de produção no Brasil, por conta das condições naturais favoráveis, são naturalmente e comparativamente baixos, os esforços internos devem se voltar, principalmente, para o aprimoramento da qualidade. Nesse sentido, cabe ao produtor se informar e buscar atender as demandas da indústria, que apenas responde às exigências do varejo/consumidores. Já a indústria precisa auxiliar o produtor nesse trabalho, ciente das dificuldades envolvidas no processo. A transparência e o compartilhamento de informações são essenciais nessa hora. Estímulo também não pode faltar. Se a qualidade é premiada lá fora, também deve ser premiada, de alguma forma, internamente. Em outras palavras, se nem toda carne vai para o mesmo balaio, o boi também não pode ir. A pecuária, em termos técnicos e comerciais, já não é a mesma de dez anos atrás. Mudou para melhor. A forma de relacionamento entre os elos da cadeia, portanto, terá que seguir o mesmo caminho.
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