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Scot Consultoria

De Davi e Golias a Schumpeter


Segunda-feira, 20 de setembro de 2010 - 16h24

É Graduado em Gestão do Agronegócio pela UFV, MBA em Finanças pelo IBMEC. Atualmente é operador de mercado pela Gradual Investimentos CCTVM.


A passagem bíblica que relata Davi e Golias serve de exemplo para relatar diversas situações em que uma minoria em desvantagem vence uma maioria com as supostas vantagens ao seu lado. Muitas vezes a relação entre produtores e frigoríficos pode ser relatada dessa maneira, onde um “Davi-pecuarista” tem sua posição desfavorecida diante de um “Golias-frigorífico”. Eventualmente, a vida imita a lenda. Alguns autores de teorias econômicas explicam essa situação de maneira um pouco diferente: oligopólio, monopólio, inovação e outras denominações se aplicam ao mercado do boi gordo, dependendo da situação ou foco que se queira descrever. Joseph Schumpeter foi o primeiro acadêmico a desenvolver uma teoria sobre ciclos econômicos e os principais impactos sobre o equilíbrio de mercado. Basicamente, o autor parte do princípio de que alguma inovação – a introdução de um novo bem no mercado, a descoberta de um novo método de comercialização de mercadorias, a conquista de novas fontes de matérias-primas, ou, por fim, a alteração da estrutura de mercado vigente, como a quebra de um monopólio – altere consideravelmente o equilíbrio anteriormente existente no mercado. Schumpeter também foi autor de uma expressão famosa entre os economistas, a chamada “destruição criativa”. Ela serviu para designar o constante processo de transformação que incentiva o progresso por meio da eliminação de agentes e produtos menos eficientes e defasados, em um cenário de seleção em que só os agentes inovadores se sobressaem e conseguem sobreviver. Vale ressaltar – conseguem sobreviver. Novas tecnologias de produção e gestão agropecuária – sistemas de integração lavoura/pecuária, confinamentos, semi-confinamentos, sistemas agrosilvopastoris, alto-grão, proteção de preços (hedge) e risco, entre outras – vieram na tentativa de fazer frente à grande necessidade de eficácia na atividade – mais uma vez, sobreviver na atividade. Utilizando a inovação de Schumpeter como foco de análise, podemos admitir algumas alterações no mercado do boi gordo: - Introdução de um novo bem no mercado: uma das propagandas do Plano Real, logo no seu início, foi o acesso das classes C e D a proteínas (notadamente, carne de frango). Veja abaixo a evolução do consumo per capita de carne de frango e bovina a partir do início do Plano Real. Desde o início do Plano Real, o consumo da carne de frango dobrou, indo de 19kg/hab em 1994 para 39kg/hab em 2009. No mesmo período, houve um aumento de 18% no consumo de carne bovina, permanecendo praticamente estável em 37kg/hab nos últimos 5 anos. A carne de frango veio para ficar, a eficiência da sua produção e baixo custo impactam seriamente os preços da carne bovina. - Descoberta de um novo método de comercialização de mercadorias: o mercado do boi gordo fundamentalmente tem como alvo o mercado interno. Ainda assim, o componente “exportação” passou a representar parte significativa da comercialização total brasileira de carnes, passando de 5,5% da produção total em 1994 para cerca de 20% em 2009. Entre 2003 e 2004 o Brasil passou a ocupar o primeiro lugar entre os principais países exportadores, conforme o gráfico abaixo. A conquista do mercado externo foi louvável graças à competitividade da carne brasileira e hoje é fator importante na formação do preço da arroba. Nas ocasiões em que imprevistos nas exportações de carne ocorrem – casos como o teor de ivermectina na carne, ou extraordinariamente na ocorrência de aftosa – os cortes de exportação “inundam” o mercado interno, puxando os preços para baixo. - A alteração da estrutura de mercado vigente: o número de “compradores” vêm diminuindo drasticamente desde o início do Plano Real. Fusões e aquisições foram uma constante, na maioria de suas vezes financiada por dinheiro público através de aquisições diretas ou empréstimos, favorecendo a concentração do setor. A balança do poder de negociação pendeu muito mais aos frigoríficos do que aos pecuaristas, muito embora alguns grupos tenham saído da atividade deixando “um rombo” aos pecuaristas. A destruição criativa vem para todos, nesse caso, embora não seja de responsabilidade de pecuaristas, muitas vezes eles também pagam o preço (caso de alguns em recuperação judicial). Depois de todos os fatores descritos até agora, como foi possível a manutenção do pecuarista na atividade diante de tamanha pressão? Não foi. Sem dúvida, o número de pecuaristas que arrendam suas terras para outras culturas, que venderam suas propriedades, que sofrem por leis ambientais confusas, legislação trabalhista incoerente e lucros decrescentes (quando existentes) não virou notícia. A pressão pela inovação, pela maior produtividade, diminuição de custos, escalas de produção, competição de outras culturas e toda a “destruição criativa” discutida aqui – e imposta com rigor pelo mercado – é também refletida por uma das maiores manifestações entre as forças de oferta e demanda no mercado agrícola: o ciclo pecuário. Em poucas palavras, ciclo pecuário é a alternância entre um período de descarte de matrizes em função de uma atividade pouco remuneradora (ciclo de baixa) e um período de alta nos preços da arroba e a conseqüente retenção de matrizes para produção de gado de reposição. Esse é o retrato de “Davi e Golias” da pecuária. Golias cansou de bater, Davi cansou de apanhar. Assim como na Bíblia, o Davi-pecuarista atirou sua pedra. Vez por outra, ele acerta na testa de Golias. Seca proveniente do fenômeno La Niña, demanda doméstica aquecida, demanda externa aquecida, pouca oferta de gado aos frigoríficos (escalas de abate curtas), mercado de carnes no atacado com estoques em baixa e preços dos principais cortes em alta, o que será que deve acontecer com o preço da arroba? Já aconteceu. Os preços da arroba do boi gordo já mostram uma valorização de 18,6% desde janeiro deste ano. Para comparação com os demais contratos, verifique a tabela abaixo com as variações do contrato de outubro desde 2006: Repare na tabela que “o grosso” das valorizações dos preços da @ ocorreram até o mês de agosto, salvo o ano de 2009 – mercado atípico ainda refletindo os efeitos da crise econômica de 2008. A última coluna mostra a valorização dos preços do dia 14/9 de cada ano até o vencimento do contrato de outubro – note a pequena valorização comparada com a valorização da primeira coluna. Os ciclos pecuários são fatos concretos e em diversas ocasiões são comprovados com as oscilações dos preços da @. O gráfico abaixo mostra o indicador ESALQ físico de janeiro de 1995 até hoje, médias mensais deflacionadas de acordo ao índice IGP-DI (FGV). A alternância entre altas (topos de preços) e baixas (fundos de preços) revelam as tendências dos ciclos pecuários. Repare no ciclo iniciado entre 1995-1996 até o início de 2003 – um ciclo bem característico, onde apesar das oscilações ao longo do período, a seqüência de picos ascendentes e fundos descendentes mostra o período de retenção e descarte de matrizes. Enquanto sobe, Davi joga suas pedras, enquanto cai, Golias ataca. Repare também no segundo ciclo, iniciado em 2006, um padrão similar ao anterior, apenas interrompido pelo “mau humor” do mercado em 2008, quando a maioria das cotações de todas as commodities, ativos em mercado financeiro e até imóveis sofreram uma redução. 2009 foi um ano “receoso” quanto a uma alta expressiva do boi gordo, resultando em mais descartes de matrizes, e eis que hoje retorna o ciclo ascendente, a tendência de alta. O gráfico 3 mostra em preços reais quais as ocasiões que o valor da @ deflacionada ultrapassou a “barreira” dos R$90,00/cabeça. Note que os preços já encontram-se em patamares favoráveis aos produtores, onde historicamente o preço não encontrou muita força para continuar sua trajetória de alta. Não se trata de dizer que a arroba do boi atingiu qualquer espécie de “teto”, mas apenas que nestes preços, a atividade é melhor remunerada, a presença de vendedores aumenta, e finalmente, uma nova fase do ciclo pecuário tem início. No conto bíblico Davi, para assegurar a sua vitória, toma a espada de Golias enquanto este estava ainda “tonto” pela pedrada e corta sua cabeça. É a destruição criativa tirando o Golias defasado da jogada e colocando o Davi “inovador”. Os preços tanto no mercado físico quanto no mercado futuro estão atrativos, inclusive diante de uma natural (ainda por vir) reação no preço do gado de reposição. Alguém vai esperar a “tonteira” de Golias passar e perder a briga, ou vai cortar a cabeça do inimigo assegurando aos poucos sua rentabilidade? Pense nisso!
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